literatura 20jul.pmd - CEAO - Centro de Estudos Afro Orientais ...
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Em O carro do êxito, livro que marca a estréia <strong>de</strong> Oswaldo<br />
<strong>de</strong> Camargo como contista, o autor concentra a ação da maioria<br />
dos contos na capital paulistana e na vida social <strong>de</strong> uma, digamos,<br />
classe média negra: os interesses, os <strong>de</strong>sinteresses, as reuniões,<br />
as amiza<strong>de</strong>s. Mas isto é apenas o cenário predominante dos<br />
contos. Há também histórias que se passam no interior, como<br />
uma espécie <strong>de</strong> volta ao passado dos narradores <strong>de</strong>sses contos.<br />
Os contos que têm como cenário a capital, São Paulo, exploram<br />
temas como a alienação cultural do negro <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma<br />
socieda<strong>de</strong> branca, a <strong>de</strong>pendência financeira do negro em relação<br />
ao branco, as tentativas dos intelectuais negros <strong>de</strong> melhorar a situação<br />
das populações negras e os conflitos que se manifestam entre<br />
estes intelectuais. Já os contos cuja ação se passa no interior,<br />
tratam das experiências pessoais na infância do negro e da possível<br />
influência <strong>de</strong> tais vivências nas atitu<strong>de</strong>s do negro adulto. Vejamos<br />
um dos contos <strong>de</strong> O carro do êxito.<br />
Negritu<strong>de</strong><br />
Eu estava no meu lugar tranqüilo, sem saber <strong>de</strong> nada.<br />
Eu saía pra firma, <strong>de</strong> manhã, voltava à noitinha,<br />
<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> passar no “Malungo”, beber minha batida<br />
e ver o Neco batucar no caixote, com aquela cara<br />
engraçada, os <strong>de</strong>ntes do meio graúdos, como um<br />
coelhinho preto. Então eu sentava e gostava <strong>de</strong> ver a<br />
cara alegre da nossa turma: o Bernardo, o Vadico, o<br />
Formigão. O Neco batia a palma no caixote, meu coração<br />
batia leve, confraternizado. Eu estava no meu<br />
lugar tranqüilo quando chegou Berenice com seus<br />
livros, sua blusa roxa, e seu rosto <strong>de</strong> crioula diferente,<br />
apertada entre dois cursos <strong>de</strong> Faculda<strong>de</strong>, mas<br />
que diziam, havia <strong>de</strong> subir como um balão, havia <strong>de</strong><br />
subir <strong>de</strong>pois daqueles apertos, tomando lanche barato,<br />
não indo ao cinema, não saindo com a gente<br />
nos domingos calmos, com a cida<strong>de</strong> vazia, sem turma,<br />
sem alma, sem ninguém.<br />
— Berenice é a tal — dizia o Vadico — e nós ríamos e<br />
gostávamos <strong>de</strong> pagar uma batida para ela, mas ela gostava<br />
era <strong>de</strong> Coca-cola, ou Malzebier, bebida <strong>de</strong> garotinha.<br />
Eu estava quieto e pensava nos meus sentimentos, junto<br />
do meu silêncio e o Formigão saiu <strong>de</strong> repente para um<br />
Literatura afro-brasileira 153