literatura 20jul.pmd - CEAO - Centro de Estudos Afro Orientais ...
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Se caminhares para a direita baterás e esbarrarás ansioso,<br />
aflito, numa pare<strong>de</strong> horrendamente incomensurável<br />
<strong>de</strong> Egoísmos e Preconceitos! Se caminhares<br />
para a esquerda, outra pare<strong>de</strong>, <strong>de</strong> Ciências e Críticas,<br />
mais alta do que a primeira, te mergulhará profundamente<br />
no espanto! Se caminhares para a frente, ainda<br />
nova pare<strong>de</strong>, feita <strong>de</strong> Despeitos e Impotências, tremenda,<br />
<strong>de</strong> granito, broncamente se elevará ao alto!<br />
Se caminhares, enfim, para trás, ah! ainda, uma <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira<br />
pare<strong>de</strong>, fechando tudo, fechando tudo — horrível!<br />
— pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> Imbecilida<strong>de</strong> e Ignorância, te <strong>de</strong>ixará<br />
num frio espasmo <strong>de</strong> terror absoluto...<br />
E, mais pedras, mais pedras se sobreporão às pedras<br />
já acumuladas, mais pedras, mais pedras... Pedras <strong>de</strong>stas<br />
odiosas, caricatas e fatigantes Civilizações e Socieda<strong>de</strong>s...<br />
Mais pedras, mais pedras! E as estranhas pare<strong>de</strong>s<br />
hão <strong>de</strong> subir, — longas, negras, terríficas! Hão<br />
<strong>de</strong> subir, subir, subir mudas, silenciosas, até às Estrelas,<br />
<strong>de</strong>ixando-te para sempre perdidamente alucinado<br />
e emparedado <strong>de</strong>ntro do teu Sonho...<br />
Neste texto, há uma voz que fica repetindo para o homem<br />
negro que ele não é artista, pois vem <strong>de</strong> lá da África. Cruz e Souza<br />
<strong>de</strong>ve ter escutado muito isso em sua vida. Quantas vezes o poeta<br />
<strong>de</strong>ve ter escutado que, por ser negro, não era artista, não era inteligente,<br />
não era bonito? Você já ouviu alguma coisa parecida? Como<br />
respon<strong>de</strong>ria a alguém que duvidasse <strong>de</strong> sua inteligência?<br />
João da Cruz e Souza (1861-1898). Poeta, escritor e advogado.<br />
Nasceu em Florianópolis, filho <strong>de</strong> ex-escravos. Estudou no Ateneu<br />
Provincial Catarinense. Relacionou-se com outros poetas <strong>de</strong>dicados<br />
ao movimento simbolista, mas mostrou preocupação social<br />
relativa à situação escrava e à discriminação sofrida pelo negro em<br />
geral. Publicou diversos livros, <strong>de</strong>ntre eles, Missal, Broquéis e Evocações.<br />
É consi<strong>de</strong>rado um dos maiores poetas simbolistas brasileiros<br />
pelos historiadores canônicos.<br />
Mírian Alves, poeta contemporânea, reforçando a vonta<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> resistência das mulheres negras, mais <strong>de</strong> um século <strong>de</strong>pois, convoca<br />
o poeta do século XIX para um diálogo intertextual:<br />
62 Literatura afro-brasileira