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literatura 20jul.pmd - CEAO - Centro de Estudos Afro Orientais ...

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Carolina Maria <strong>de</strong> Jesus (1914-1977) nasceu a<br />

14 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1914, em Sacramento, estado <strong>de</strong><br />

Minas Gerais, cida<strong>de</strong> on<strong>de</strong> viveu sua infância e adolescência.<br />

Era filha <strong>de</strong> negros que, provavelmente,<br />

migraram do Desemboque para Sacramento, quando<br />

da mudança da economia da extração <strong>de</strong> ouro<br />

para as ativida<strong>de</strong>s agro-pecuárias.<br />

Quanto à sua escolarida<strong>de</strong> em Sacramento, provavelmente<br />

foi matriculada em 1923, no Colégio<br />

Allan Kar<strong>de</strong>c, primeiro Colégio Espírita do Brasil,<br />

fundado em 31 <strong>de</strong> Janeiro <strong>de</strong> 1907, por Eurípe<strong>de</strong>s<br />

Barsanulfo. Nessa época, as crianças pobres da<br />

cida<strong>de</strong> eram mantidas no Colégio através da ajuda<br />

<strong>de</strong> pessoas influentes. No Colégio Allan Kar<strong>de</strong>c,<br />

Carolina estudou pouco mais <strong>de</strong> dois anos. Toda<br />

sua educação formal advém <strong>de</strong>ste pouco tempo<br />

<strong>de</strong> estudos. Mas Carolina <strong>de</strong> Jesus escreve a partir<br />

<strong>de</strong> suas vivências, <strong>de</strong> suas leituras, em especial,<br />

da leitura que fazia da vida, do mundo. Carolina<br />

tinha “a mania <strong>de</strong> observar tudo, contar tudo,<br />

marcar os fatos” ( Quarto <strong>de</strong> <strong>de</strong>spejo, p.48).<br />

Mesmo diante todos os <strong>de</strong>sgostos, perdas e discriminações<br />

que sofreu, por ser negra, pobre e<br />

mulher, Carolina revela por meio <strong>de</strong> sua escritura<br />

a importância do testemunho como meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia.<br />

A obra <strong>de</strong> Carolina retrata o que a crítica da época<br />

chamou <strong>de</strong> “<strong>literatura</strong> documentária <strong>de</strong> contestação”.<br />

Seu primeiro livro publicado, Quarto <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>spejo. Diário <strong>de</strong> uma favelada, em 1960, alcançou<br />

a tiragem <strong>de</strong> 100 mil exemplares. Tal fato<br />

possibilitou gran<strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> à autora e à sua<br />

obra, tendo esta conseguido gran<strong>de</strong> repercussão<br />

internacional.<br />

Carolina, personagem e pessoa, passou a gozar<br />

<strong>de</strong> notorieda<strong>de</strong>. Assediada pela imprensa, pelo<br />

público e pelas autorida<strong>de</strong>s, foi se transformando,<br />

segundo Audálio Dantas, 3 “<strong>de</strong> um dia para o<br />

outro numa patética Cin<strong>de</strong>rela, saída do borralho<br />

do lixo, para brilhar intensamente sob as luzes da<br />

cida<strong>de</strong>”.<br />

A obra mais conhecida <strong>de</strong> Carolina Maria <strong>de</strong> Jesus, com<br />

tiragem inicial <strong>de</strong> <strong>de</strong>z mil exemplares esgotados na primeira semana,<br />

e traduzida em 13 idiomas é Quarto <strong>de</strong> Despejo. Essa obra resgata<br />

e <strong>de</strong>lata uma face da vida sócio-cultural brasileira quando do início<br />

da mo<strong>de</strong>rnização da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo e do surgimento <strong>de</strong><br />

suas favelas. Face cruel e perversa, pouco conhecida e muito dissimulada,<br />

resultado do temor que as elites vivenciam em tempos <strong>de</strong><br />

perda <strong>de</strong> hegemonia.<br />

O livro Quarto <strong>de</strong> Despejo inspirou diversas expressões artísticas,<br />

como letra <strong>de</strong> música; adaptação teatral; como o texto em <strong>de</strong>bate<br />

no livro Eu te arrespondo Carolina <strong>de</strong> Herculano Neves; como o<br />

filme realizado pela Televisão Alemã, Despertar <strong>de</strong> um sonho, utilizando<br />

a própria Carolina <strong>de</strong> Jesus como protagonista; a adaptação para<br />

a série Caso Verda<strong>de</strong>, da Re<strong>de</strong> Globo <strong>de</strong> Televisão em 1983; e, finalmente,<br />

a recente produção do jovem cineasta negro Jeferson De,<br />

intitulada Carolina.<br />

No geral, a obra <strong>de</strong> Carolina <strong>de</strong> Jesus é consi<strong>de</strong>rada como<br />

portadora <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> força e autenticida<strong>de</strong>. Os adjetivos dados pela<br />

crítica a sua obra variam <strong>de</strong> surpreen<strong>de</strong>nte e comovente, a ingênua<br />

e bizarra. Mas o certo é que a obra <strong>de</strong> Carolina não é fruto <strong>de</strong> uma<br />

refinada elaboração estética. Po<strong>de</strong>-se dizer que é “<strong>literatura</strong> em<br />

estado bruto”, resultado contun<strong>de</strong>nte da ação <strong>de</strong> viver. É a experiência<br />

da vida transformada em mensagem literária. É potência<br />

da vida: relatos <strong>de</strong> miséria tornados arte.<br />

7 DE JUNHO Os meninos tomaram café e foram à<br />

aula. Eles estão alegres porque hoje teve café. Só<br />

quem passa fome é que dá valor a comida. (...) Nós<br />

somos pobres, viemos para as margens do rio. As<br />

margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais.<br />

Gente da favela é consi<strong>de</strong>rado marginais. Na<br />

mais se vê os corvos voando as margens do rio, perto<br />

dos lixos. Os homens <strong>de</strong>sempregados substituíram<br />

os corvos.<br />

Quando eu fui catar papel encontrei um preto. Estava<br />

rasgado e sujo que dava pena. Nos seus trajes rotos ele<br />

podia representar-se como diretor do sindicato dos miseráveis.<br />

O seu olhar era um olhar angustiado como se<br />

olhasse o mundo com <strong>de</strong>sprezo. Indigno para um ser<br />

146 Literatura afro-brasileira

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