16.04.2013 Views

literatura 20jul.pmd - CEAO - Centro de Estudos Afro Orientais ...

literatura 20jul.pmd - CEAO - Centro de Estudos Afro Orientais ...

literatura 20jul.pmd - CEAO - Centro de Estudos Afro Orientais ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

encontro com o Bernardo, fazendo cara <strong>de</strong> mistério, rindo<br />

da minha quietu<strong>de</strong> que no fundo era <strong>de</strong>sesperança<br />

<strong>de</strong> tanta coisa ruim. Tanta coisa ruim na puta da vida, eu<br />

quero andar alto e cair no meio do progresso, navegar<br />

como os outros, mas lembro tanta mazela, tanta coisa pau,<br />

que só fico olhando aqui do bar “Malungo”, on<strong>de</strong> medito<br />

a minha vida, olhando o pessoal que passa na galeria e as<br />

pernas bonitas das mulheres na tar<strong>de</strong> que já virou sete e<br />

meia. Virou sete e meia e eu aqui bestando, a cabeça baixa,<br />

minha mão magricela, meu casaco roto e meu cabelo<br />

afro:<br />

— Oba, Massango!<br />

Massango é meu apelido na turminha, eu pareço mesmo<br />

africano, e já puseram foto minha numa revista alemã.<br />

Dona Dóris tirou lá no seu quintal, em Pinheiros,<br />

<strong>de</strong> perfil, e falou que saiu “uma foto muito bonita”.<br />

— Tou mofando — falei a Berenice — tou pensando...<br />

Escuta, Massango — ela me falou — você me acompanha<br />

até a Faculda<strong>de</strong>?<br />

— Eu não podia, porque estava monótono e saudoso<br />

<strong>de</strong> quando era garoto, a vida me empinava no ombro,<br />

eu não caía como agora, que nem <strong>de</strong>scubro o<br />

que me aporrinha tanto e pen<strong>de</strong> meu corpo, sobre o<br />

balcão frio, vulgar. Eu não queria ir porque minha<br />

boca estava cansada e meus olhos olhavam minha<br />

infância, com cuidado, estudando como foi e por que,<br />

se podia ser diferente, e por que isso agora. Mas acabei<br />

falando:<br />

— Acompanho!<br />

Então perguntei se Berenice queria alguma coisa.<br />

Ela fez uma cara <strong>de</strong> irmãzinha da gente que a gente<br />

gosta <strong>de</strong> olhar assim tão linda, acariciar, pegar no<br />

queixinho, abraçar com cuidado e sair tranqüilo,<br />

porque isso é bonito e bom. Pedi, então, um iogurte<br />

pra ela e man<strong>de</strong>i vir um misto quente caprichado.<br />

Pedi também um tablete <strong>de</strong> chocolate, o maior da<br />

vitrina, e meu coração começou a ficar um pouquinho<br />

alegre, quando vi Berenice tomando iogurte e<br />

mastigando o misto quente. Fiquei vendo, muito quieto<br />

e, para disfarçar meu sentimento, peguei um livro<br />

<strong>de</strong>la e abri. Era um livro sobre “Negritu<strong>de</strong>”, e eu virei<br />

algumas páginas, a modo <strong>de</strong> não querer nada, mas como<br />

falava da gente, me interessei, li um pouquinho, <strong>de</strong>-<br />

154 Literatura afro-brasileira

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!