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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ...

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de desenvolver as passagens, os enredos de cada personagens, e improvisá-los na<br />

presença do público. Zumthor (1993: 193) assinala que este tipo de texto oral “está muito<br />

estritamente subjugado pela exigência presente da performance; em compensação, ele<br />

goza da liberdade de mover-se sem cessar, de ininterruptamente variar o número, a<br />

natureza e a intensidade de seus efeitos”. Detienne (1997: 79) comenta sobre algumas<br />

observações de Goody sobre o ritual do Bagrê entre os lodagaa, norte de Gana chamando<br />

atenção para a memória ativa da oralidade:<br />

183<br />

“No silêncio e na ausência de qualquer sistema de notação<br />

escrita, a memória ativa da oralidade combina o aprendizado dos<br />

saberer com informações visuais, práticas gestuais, situações globais,<br />

que tornam inoperante o modelo de uma memória ‘mecânica’<br />

dedicada à exata repetição.”<br />

O virtuosismo do mamulengueiro é marcado pelo seu domínio das técnicas de<br />

comunicação, da capacidade de expressão através da utilização de sua voz, que deve ter<br />

potência sonora, deve ser capaz de fazer muitas vozes para dar colorido e diferenciar os<br />

personagens, além de saber cantar. Outro aspecto é a capacidade de construção de<br />

diálogos, que precisa ser dominada não só pelo mamulengueiro, mas também por aquele<br />

responsável em atuar como Mateus. É o virtuosismo que conta, e a referência a uma<br />

coerência textual que fica guardada na memória, como se o próprio boneco e o<br />

personagem que lhe dá alma carregassem em si textos coerentes possíveis de serem<br />

seguidos. Observamos estes textos no capítulo referente ao universo compartilhado de<br />

brincadeiras. Da mesma forma, Detienne (1997: 65) identifica a natureza oral dos<br />

discursos gregos, e a resistência dos políticos em escrevê-los, mesmo que haja um texto a<br />

ser seguido. Novamente vemos aí que as práticas leitoras são necessárias. O<br />

mamulengueiro precisa aprender a “ler” o texto daquele boneco, seus enredos, passagens,<br />

as características ele porta.<br />

Com isso não quero dizer que todos os mamulengueiros de uma mesma rede<br />

possuem mamulengos iguais. A pista de que a variação é uma marca da oralidade já nos<br />

foi dada por Zé de Vina em suas explicações a respeito do “ritmo” particular de cada<br />

mamulengueiro. Acredito que a capacidade do mamulengo em manter um corpus<br />

definido, apesar e a partir das variações, tenha relação com aquilo que Detienne (1997:

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