Scripta 9_2_link_final.pdf - Uniandrade
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A estrutura do gênero detetivesco<br />
1 O método de investigação<br />
Ao contrário das narrativas clássicas, que são regidas pelo método<br />
da detecção e da razão, “City of Glass” mostra como o acaso afeta o<br />
desenrolar da história. Não apenas as escolhas do detetive, mas todos os<br />
eventos da narrativa acontecem de maneira arbitrária. É de modo totalmente<br />
arbitrário, por exemplo, que o protagonista Daniel Quinn se torna o detetive<br />
da estória. Quinn atende a um telefonema para número errado. A pessoa<br />
do outro lado da linha pergunta se ele é Paul Auster, o detetive. Compelido<br />
pela curiosidade e pela necessidade de dar sentido à sua vida insípida, Quinn<br />
responde como se fosse o detetive e aceita trabalhar no caso. O narrador<br />
reconhece o papel do acaso nesse episódio:<br />
Mais tarde, quando ele pode pensar sobre as coisas que aconteceram com ele,<br />
concluiria que nada era real, exceto o acaso. (...) Se pudesse ter acontecido de<br />
um modo diferente, ou se tudo estivesse predestinado com a primeira<br />
palavra que saiu da boca daquele estranho, essa não era a questão. (AUSTER,<br />
2004, p. 3) 5<br />
É também o acaso que vai definir a escolha de Quinn, em uma<br />
estação de trem, ao se deparar com duas versões praticamente iguais do<br />
suspeito que deveria seguir, um certo Professor Stillman: “Por um momento,<br />
Quinn achou que era uma ilusão, um tipo de aura lançada pelas correntes<br />
eletromagnéticas no corpo de Stillman. (...) Não havia nada que ele pudesse<br />
fazer agora que não seria um erro. Qualquer escolha que fizesse – e ele tinha<br />
de fazer alguma – seria arbitrária, uma submissão ao acaso (p. 56) 6 .”<br />
Portanto, ao contrário do que se espera de uma narrativa de<br />
investigação tradicional, em “City of Glass”, os eventos fogem ao controle do<br />
detetive. Apesar da habilidade de observação de Quinn no episódio da estação<br />
de trem, é impossível identificar o suspeito correto empregando os famosos<br />
métodos clássicos de detecção e indução típicos das narrativas de detetives.<br />
No romance gráfico, o acaso é representado por imagens<br />
duplicadas ou semelhantes, que oferecem ao leitor mais do que uma<br />
possibilidade icônica para um único evento. Para o primeiro exemplo dado,<br />
o leitor é levado a crer que o telefone que aparece nas imagens dos primeiros<br />
quadrinhos é o telefone que Quinn atende. Porém, nos quadrinhos seguintes,<br />
<strong>Scripta</strong> <strong>Uniandrade</strong>, v. 9, n. 2, jul.-dez. 2011<br />
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