SUJEITO SABERES E PRÁTICAS SOCIAIS
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da leitura do mito de Orfeu feita por Blanchot, que é o efeito<br />
dessubjetivante de uma consciência sem eu, o espaço neutro possível por<br />
esse contato com as forças do fora que conferem a obra sua coerência e<br />
seu poder, e que é, ao mesmo tempo, a instauração da possibilidade do<br />
novo, a possibilidade da criação.<br />
Seguindo aqui a sugestão feita por Reyner (2003, p. 32), há um texto<br />
de Foucault em que este articula essa noção de ficção de Blanchot e, podese<br />
acrescentar, sintetiza também a leitura que o filósofo francês fez da<br />
ficção dos escritores do novo romance de criação do grupo de Tel Quel.<br />
Trata-se do texto “Atrás da fábula”, escrito em que Foucault (1994)<br />
discorre sobre o modo de ficção em Julio Verne. Este texto pode ser<br />
considerado como o exemplo da compreensão que tem Foucault da<br />
relação entre ficção e fábula e ao mesmo tempo constitui uma<br />
demonstração de como atuam as forças do fora enquanto experiência<br />
limite própria do fazer ficcional.<br />
Foucault inicia seu texto afirmando existir uma clara distinção<br />
presente nos textos narrativos entre fábula e ficção. A fábula são os<br />
elementos da narrativa, aquilo do que se fala, os episódios, os personagens,<br />
funções que os personagens exercem nas narrativas, os acontecimentos; já<br />
a ficção é o que ele denomina o regime da narrativa, ou os diversos regimes<br />
segundo os quais a fábula é narrada. O que Foucault (1994, p. 506) entende<br />
por regime da narrativa se refere a:<br />
[...] postura do narrador em relação ao que ele narra (conforme ele faça<br />
parte da aventura, ou a contemple como um espectador ligeiramente<br />
afastado, ou dela esteja excluído e a surpreenda do exterior), presença ou<br />
ausência de um olhar neutro que percorra as coisas e as pessoas,<br />
assegurando sua descrição objetiva; engajamento de toda a narrativa na<br />
perspectiva de um personagem, de vários, sucessivamente, ou de nenhum<br />
em particular; discurso repetindo os acontecimentos a posteriori ou<br />
duplicando-os à medida que eles se desenrolam, etc. A fábula é feita de<br />
elementos colocados em uma certa ordem. A ficção é a trama das relações<br />
estabelecidas, através do próprio discurso, entre aquele que fala e aquilo do<br />
que fala. Ficção, aspecto da fábula.