SUJEITO SABERES E PRÁTICAS SOCIAIS
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Os Piro, segundo Gow (1997, p. 48), chamam-se a si mesmos de<br />
yine, que quer dizer “Humanos”; mas eles se chamam entre si de nomolene,<br />
“meu parente” e ambos são, em geral, co-extensivos: ser yine é ser nomolene<br />
de outros yine; ser Humano é ser parente de outros Humanos. Todavia, em<br />
certos momentos críticos, é preciso que se achem yine que não sejam<br />
nomolene, como ocorrem nas situações de parto. A criança entre os Piro é o<br />
novo humano ainda incompleto. Para se tornar completamente humano,<br />
ele deve ser cortado em dois: um Humano, yineru; e um Outro, geyonchi, a<br />
“placenta”. A lógica dessa prática está no fato de que as crianças precisam<br />
achar nshinikanchi e se voltar para outros humanos, isto é, outros parentes,<br />
uma vez que tal faculdade se manifesta pela copresença mútua e pela<br />
corresidência em uma mesma aldeia.<br />
Para que as crianças tenham parentes, ou pessoas para quem se<br />
voltam sua consciência, elas precisam perder parte de seu Eu originário, a<br />
saber, seu Outro Primordial. O nustakjeru, “meu cortador do-cordãoumbilical”,<br />
sequestra este outro eu, tornando, assim, o primeiro outro<br />
Humano do bebê. Ele deve ser um outro Humano que esteja disposto a<br />
assumir que ele ou ela mesmo/a não é completamente Humano aos olhos<br />
dos pais da criança, devendo assumir o papel de Outro.<br />
O convite para que a pessoa corte o cordão umbilical é a<br />
demonstração de que as relações de parentesco se constroem mediante as<br />
transformações de uma pessoa em Outro; depois, as pessoas entram em<br />
uma rede de novas relações substituindo as formas de tratamento por<br />
termos que demarcam ‘hiperparentesco’, marcado por uma intensificação<br />
da memória e do respeito que caracteriza as relações entre parentes.<br />
No tocante à questão da afinidade, Gow (1997) reconhece que a<br />
“cunhadez” [“brother-in-law”-ness] é uma forma logicamente primária, na<br />
medida em que marido e mulher, enquanto termos específicos de<br />
parentesco, derivam do termo primário ganuru. Ele afirma que a irmã do<br />
ganuru é uma ganunro potencial e um cunhado feminina/esposa; é através<br />
do estabelecimento de relações mútuas de ganuru entre os rapazes que estes<br />
conseguem suas ganunro potenciais, e as moças seus ganuru potenciais”<br />
(Gow, 1997, p. 51).