SUJEITO SABERES E PRÁTICAS SOCIAIS
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A produção da alteridade entre os Piro acontece, a partir do campo<br />
dos parentes, dos nomolene. Os rapazes precisam transformar um outro<br />
Humano em algo quase, mas não completamente, idêntico a eles próprios:<br />
um ganuru. Ao mesmo tempo em que precisam encontrar dentro do campo<br />
da identidade (os Humanos) aquela pequena diferença que permitirá à sua<br />
sexualidade assumir uma forma social. A transformação de um Humano,<br />
denominado por Gow (1997, p. 51) de “alterização” se caracteriza por uma<br />
intensificação da fala, possibilitada pela maturação da boca 8 .<br />
Por outro lado, ainda a respeito da definição de parentesco para os<br />
Piro como “viver bem” (produto e produtor da memória), Gow (1997)<br />
aponta que o parentesco se destaca contra um fundo cósmico de<br />
Alteridade, ou o mundo de Outros com quem os Humanos de uma aldeia<br />
piro mantêm uma variedade de relações, mas com quem não se pode<br />
“viver bem”. Tais transformações não apenas reforçam como também<br />
apontam para a questão posta por Viveiros de Castro (2002) de que o<br />
parentesco é um processo de atualização da afinidade potencial se<br />
destacando contra um fundo cósmico da alteridade.<br />
O próprio Gow reconhece a abundância dos Outros no cosmos, e<br />
as relações dos Piro com muitos destes Outros correspondem àquilo que<br />
Viveiros de Castro (2002) chamou de “afinidade potencial”. Ora, afirmar<br />
que a afinidade potencial é condição no parentesco Piro significa admitir<br />
que a sua reprodução depende do que está ‘fora’ dele, isto é, da afinidade<br />
potencial enquanto sua condição.<br />
Segundo Souza (2004), o ponto de vista em que Gow (1997) se<br />
coloca impede o reconhecimento daquilo que se oferece como um dado no<br />
universo, onde se fazer humano é se fazer parente e ‘semelhante’ de outros<br />
humanos; o que é dado é a diferença que conecta e a conexão que<br />
8 A fala torna os outros possíveis, na medida em que o pai que faz o pedido para alguém<br />
cortar o cordão umbilical é alguém que, tempos atrás, já deu fim ao incesto, mediante um<br />
certo uso da palavra. Esse uso envolve um modo especial de falar, que se desenvolve dentro<br />
dos homens na adolescência (Gow, 1997).