Revista Digital - Instituto dos Advogados Brasileiros
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É necessário se levar em conta que à exceção da lei <strong>dos</strong> crimes hedion<strong>dos</strong>, hoje de<br />
aplicação bastante mitigada pelo Supremo Tribunal Federal, a gravidade do crime não deve<br />
consistir em dispositivo automático para ensejar a prisão de ninguém 1 .<br />
Aliás, é de se duvidar da legitimidade de toda e qualquer lei que, genericamente<br />
imponha a prisão cautelar ou proíba a liberdade provisória, baseando-se na abstrata gravidade<br />
do delito 2 . Daí, não podendo o hermeneuta a ela se apoiar como se tratasse de elemento<br />
irrefutável para justificar a restrição da liberdade das pessoas. Por isso, dissinto da<br />
jurisprudência que, vez por outra, desrespeita a prerrogativa jurídica da liberdade, de assento<br />
constitucional, superprotegendo a todo custo à ordem pública e menosprezando o interesse<br />
privado. Nesse ponto, é valiosa a lição de Aury Lopes Jr ao ensinar:<br />
“a sociedade deve ser compreendida dentro da fenomenologia da coexistência, e não<br />
mais como um ente superior, de que dependem os homens que o integram.<br />
Inadmissível uma concepção antropomórfica, na qual a sociedade é concebida como um<br />
ente gigantesco, no qual os homens são meras células, que lhe devem cega obediência.<br />
Nossa atual Constituição e, antes dela, a Declaração Universal <strong>dos</strong> Direitos Humanos,<br />
consagram certas limitações necessárias para a coexistência e não toleram tal<br />
submissão do homem ao ente superior, essa visão antropomórfica que corresponde a<br />
um sistema penal autoritário. Em suma, no processo penal, há que se compreender o<br />
conteúdo de sua instrumentalidade, recusar tais construções.” (LOPES JR., Aury. Direito<br />
Processual e sua Conformidade Constitucional. Vol. I. Rio de janeiro: Lúmen Júris,<br />
2007, p. 566/597).<br />
Nessa linha, compartilho com o entendimento do Ministro Marco Aurélio de, considerar<br />
quanto mais grave o crime, maior a necessidade de se atentar para as garantias protetivas do<br />
imputado:<br />
“pouco importa a gravidade da imputação, ou imputações. Até aqui, o paciente é simples acusado, muito<br />
embora com sentença contra si prolatada, mas que apenas implicou a submissão ao juiz natural, ao Tribunal<br />
do Júri. Aliás, quanto mais grave a imputação, maior deve ser o zelo na observância das franquias<br />
constitucionais” (HC/STF nº. 92.292, 1ª Turma. 12/05/09).<br />
1 Assim: “A gravidade do crime imputado, um <strong>dos</strong> malsina<strong>dos</strong> ‘crimes hedion<strong>dos</strong>’ (Lei 8.072/90), não basta à<br />
justificação da prisão preventiva, que tem natureza cautelar, no interesse do desenvolvimento e do resultado do<br />
processo, e só se legitima quando a tanto se mostrar necessária: não serve a prisão preventiva, nem a Constituição<br />
permitiria que para isso fosse utilizada, a punir sem processo, em atenção à gravidade do crime imputado, do qual,<br />
entretanto, ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (CF, art. 5º,<br />
LVII).” (RTJ 137/287, Rel. Min. Sepúlveda Pertence)<br />
2 Bem a propósito Maria Lúcia Karam dissera: “(...) a lei não pode estabelecer prisões provisórias obrigatórias, nem<br />
pode proibir genericamente a liberdade provisória para to<strong>dos</strong> os casos de acusações fundadas na alegada prática de<br />
determinado tipo de crime.” KARAM, Maria Lúcia. Liberdade, Presunção de Inocência e Prisões Provisórias. Lumen<br />
Juris, vol. 6. 2009, p. 42.<br />
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