Design, Tecnologia e Linguagem: Interfaces - Universidade ...
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Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume<br />
Os artefatos, além de suas funções previstas, carregam valores culturais, rearticulando<br />
significados capazes de marcar a posição social, o perfil, o estilo de vida e os processos<br />
tecnológicos de uma dada sociedade. Os frascos de perfume, assim como outros artefatos,<br />
possuem biografias econômicas, técnicas, sociais e físicas. As mutações de cor, forma,<br />
textura, material e elementos decorativos, ao longo da história dos destinatários dos fragrantes,<br />
indicam os processos tecnológicos e os recursos disponíveis de uma época e de um lugar,<br />
delineando: o estado físico do conteúdo – líquido, pastoso ou sólido; a maneira de utilizar e<br />
servir o produto; os sonhos e desejos de consumo de uma sociedade.<br />
Até o final do século XIX, os perfumes eram vendidos pelos fabricantes (perfumeurs)<br />
de forma bastante personalizada: o cliente poderia escolher tanto a fragrância quanto a<br />
embalagem. Mas, a partir do século XX, a garrafa anônima se tornou insuficiente e desenhistas<br />
como René Lalique, pintores como Salvador Dalí e costureiros como Paul Poiret começaram<br />
a engendrar invólucros ostentatórios que, para além da estética, traduzissem os aromas para<br />
a linguagem tátil e visual. O frasco passou a dar vida ao perfume, exteriorizando a expressão<br />
e os significados da sua composição olfativa através do empréstimo de suas cores, formas,<br />
texturas e materiais. Ao mesmo tempo assumiu as conotações de um estilo de vida, de um<br />
grupo social. Assim, os atributos sintáticos e semânticos passam a convidar e seduzir o<br />
consumidor, antecipando, reinventando o efeito do perfume.<br />
O objetivo deste texto é discutir as relações entre design e cultura materializadas<br />
nas embalagens de perfume, especialmente a partir dos produtos citados pelos Guias de<br />
Perfumes de 2009 e de 2010 – referentes à segunda e à terceira edição da revista - que<br />
servem de referência para perfumistas, designers, lojistas, consumidores e etc. Os Guias<br />
abrangem perfumes que vão do início do século XX ao final do ano de 2009 e que se destacam<br />
comercialmente no cenário nacional e internacional. Essas reflexões implicam um breve olhar<br />
sobre o conceito de cultura material, identidade e consumo.<br />
Os significados sociais dos bens e o uso das coisas mapeiam, representam, reproduzem<br />
e ajudam a constituir as complexas redes das relações sociais. O consumo de artigos funciona<br />
como um meio de classificação social, sendo capaz de tornar divisões e categorias culturais<br />
visíveis. O estudo das embalagens pode contribuir para a compreensão das diversas instâncias<br />
da cultura material, no sentido proposto por Rede:<br />
Não se poderia falar dos aspectos materiais da cultura (ou da cultura material)<br />
sem falar simultaneamente da imaterialidade que lhes confere existência<br />
(sistemas classificatórios; organização simbólica; relações sociais; conflitos de<br />
interesse, etc.). (...) Prática e representação são tomadas como dimensões<br />
inextricáveis da vida cultural, alimentando-se mutuamente, sem que as seja<br />
possível compartimentar. (REDE, 1996, p. 273).<br />
O universo dos objetos não se situa fora do fenômeno social, mas, o compõe, como<br />
<strong>Design</strong>, Arte, Moda e <strong>Tecnologia</strong>.<br />
São Paulo: Rosari, <strong>Universidade</strong> Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 150