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A-Escola-dos-Deuses-Formacao-Elio-DAnna

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Em uma manhã de neve, percebi um jovem negro, esbelto e bem

vestido, com um ar europeu, que se distinguia na multidão por um brilho

especial. Sobre a auréola de cabelos crespos que lhe emolduravam o rosto,

flocos de neve tinham se depositado levemente, como sobre as cercas vivas

do Central Park. Tivemos apenas o tempo de trocar um sorriso enquanto

passamos um pelo outro. Tive a impressão de que também ele soubesse, me

reconhecesse. Foi uma sensação fugaz, mas, por um instante, alimentei a

esperança de que eu não estivesse só naquela imensa cidade, que entre

aqueles seres agonizantes, no torpor daquela humanidade inerte, existissem

corpúsculos pulsantes, células vivas.

Desde quando o Dreamer me havia aberto os olhos sobre a condição

empregatícia, revelando-a como uma moderna transposição da escravidão,

aquele exército de homens e mulheres que se encaminhava ao trabalho

parecia um enxame de insetos movido por uma necessidade cega. Todas as

manhãs via-os invadirem andares inteiros de grandes edifícios, ocuparem

milhões de celas, pequenas como alvéolos, e dominá-las com o seu zumbido.

Nas suas glândulas transportavam uma espécie de vida em estado limoso:

uma carga de pensamentos escuros e o xarope denso das suas emoções.

Enquanto eu mesmo dirigia-me à minha cela, pensava na infinita população

planetária destinada, como eu, a despender nas organizações a maior parte da

própria vida em troca de uma retribuição. Perguntava-me qual era o

significado evolutivo de todo aquele esforço e para onde era dirigido o afã de

tantos homens engaiolados no espaço hipnótico dos seus papéis e funções.

Dentro e fora das organizações, via-os atormentados pelo medo; reconhecia

neles as minhas angústias, a minha infelicidade. Sob a sutil película de

aparente racionalidade, eu via escondida a lógica conflituosa, o pensamento

destrutivo, aquele impulso de morte que nos estimula incessantemente a

prejudicar primeiramente a nós mesmos e, depois, aos outros. Sob camadas

emocionais sedimentadas há séculos, reconhecia a degradação do ser,

resultado de ansiedade, dúvidas, inseguranças e de um enorme medo, seja de

viver, seja de morrer. Deslizava num verdadeiro terror diante do pensamento

que sem o Dreamer teria retornado a fazer parte dessa malta de mortos-vivos.

Uma vez perguntei-Lhe o que entendia por “homens comuns” ou

“horizontais”, como geralmente os nomeava. São os homens e as mulheres

que estudam, ensinam, trabalham... fazem filhos, educam-nos... projetam e

constroem estradas e arranha-céus, escrevem livros, fundam igrejas, ocupam

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