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A-Escola-dos-Deuses-Formacao-Elio-DAnna

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Ofereça um galo a Asclépio

Pelos fragmentos que pude recolher da obra perdida de Lupelius, por

trás das citações do padre S., eu reconhecia sempre mais claramente a

presença do Dreamer. Sentia Sua voz, mais alta, mais antiga que a de

Lupelius. Dirigi-Lhe um pensamento de gratidão.

Padre S. estava agora lendo para mim algumas frases de um livreto

que ele tratava com reverência e que, evidentemente, trazia sempre consigo.

A emoção fazia-lhe tremer a voz. Seu tom, apaixonado, tornava-se cada vez

mais intenso à medida que, daquela antologia, surgiam algumas das mais

escandalosas crenças de Lupelius, verdades inaceitáveis por qualquer mente

racional ou por qualquer fé canônica. Enquanto ouvia e anotava aqueles

preceitos no meu caderno, escutava o atrito e a gritante contradição entre sua

insustentável diversidade e as convicções mais radicadas, universalmente

aceitas.

“Velhice, doença e morte são insultos à dignidade humana, pilastras

milenares de uma descrição ilusória do mundo.

O mal está a serviço do bem. Sempre!... Tudo chega para nos curar...

Até a morte física é, na realidade, uma cura. A última possível!”

Essa afirmação, o indefensável paradoxo de Lupelius, disparou um

mecanismo secreto. Minha mente foi até as palavras pronunciadas por

Sócrates enquanto a cicuta chegava-lhe ao coração e diminuía seus

batimentos. A compreensão explodiu em mim com um insustentável fulgor.

Sua luz durou um piscar de olhos, mas foi suficiente para poder capturá-la.

Por mais de dois mil e quinhentos anos, o significado da última vontade

expressa por Sócrates tinha sido um mistério insondável. Cercado por seus

discípulos mais queridos, tão logo ingerida a cicuta, o efeito paralisante do

veneno rapidamente subia-lhe das pernas ao coração. Faltavam poucos

minutos para o fim. Naquele momento supremo, Sócrates disse: “Devemos

um galo a Asclépio. Não se esqueça de saldar essa dívida!”.

Como podia Sócrates pedir ao amigo Críton que oferecesse um galo

ao deus da cura, quando a vida lhe escorregava pelos dedos e a morte já era

inevitável?

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