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A-Escola-dos-Deuses-Formacao-Elio-DAnna

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um impassível terror.

Com o Dreamer aproximei-me do leito de Luisa. Tinha os olhos

fechados. Estava só. O Dreamer escolheu um dia em que eu estava

trabalhando ou vagando pela cidade, fugindo de mim mesmo. O respiro

afanoso de Luisa alçava a delicada coberta em um ritmo impressionante,

inumano. Reconheci aquele sintoma com um aperto no coração: seus dias

estavam se apagando.

Um sinal do Dreamer encorajou-me a me avizinhar.

Desloquei com cuidado uma cadeira ao lado do criado-mudo de metal

e ali fiquei por muito tempo observando-a. Mechas de cabelo banhadas de

suor caíam-lhe sobre a testa e na parte do rosto mantida fora do lençol. Os

meses e os dias do nosso breve casamento passaram diante de mim,

vividamente, com toda a carga dos fatos, das lembranças. Nosso primeiro

apartamento. As histórias que eu lhe contava na volta do trabalho e o orgulho,

que eu lia nos seus olhos, dos meus primeiros sucessos. O nascimento de

Giorgia. Seus choros noturnos, intermináveis, que não conseguíamos

acalmar. O nascimento de Luca. E depois a doença.

Nossa imaturidade transformou-se logo em incompreensão, ciúmes,

brigas, queixas, acusações. Éramos dois fracos agarrados um ao outro, dois

incompletos que tinham se iludido de poder fazer uma unidade. O resultado

de nossa união foi uma incompletude ao quadrado. Esses e outros

pensamentos afloraram nos meus lábios e transformaram-se em palavras que

murmurei em seu ouvido. Falei-lhe da vida, da beleza, da felicidade. Não

tinha importância se não me ouvisse. Uma dor amarga me batia no peito, um

choro sem lágrimas me apertava a garganta. Ainda assim me regozijava.

Sentia-me apaixonado, arrebatado, como nunca antes. Até aquele dia,

hipnotizado por atos e ilusórias ocupações, eu tinha enfrentado com puro

sofrimento o tempo transcorrido ao lado de Luisa. Aquela espera sem

passado nem futuro, aquele tempo sem acontecimentos, a imobilidade, o

silêncio e a calma que governavam aquele mundo me enchiam de assombro.

Aquela visão era tão insustentável quanto a luz para um morcego. Sentia um

único e incontrolável desejo: fugir e colocar-me a salvo da insidiosa invasão

de uma realidade que me gelava o sangue nas veias.

Esta mulher é seu passado que está morrendo, disse o Dreamer às

minhas costas. Forte e ao mesmo tempo delicada, Sua observação criou um

contraste no meu ser. Comovi-me e liberei-me.

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