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A-Escola-dos-Deuses-Formacao-Elio-DAnna

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é.

Com a chegada de Heleonore, a voz do Dreamer tornou-se ainda mais

remota. De manhã, Jamil recolhia tâmaras frescas das palmeiras do jardim

e servia-nos no café da manhã à base de queijo fresco, minúsculas azeitonas

pretas e um tabbouleh intensamente perfumado de hortelã e cheiroverde.

Foram meses apaixonados, mas não felizes, carregados pelos traços de

um inexprimível, sutil sofrimento, o mesmo que nublava a alegria de cabular

a aula e tornava difícil engolir os bocados de pão que Carmela havia colocado

na lancheira.

Assim, parecia que o mundo combatia nossa união. Na realidade, era

eu mesmo que não conseguia perdoar minha transgressão a um código

invisível, a uma consciência que, ferida, estava informando ao mundo minha

condição de fora-da-lei.

O Dreamer estava me preparando para tornar-me um rei e eu havia,

de novo, escolhido a mediocridade. Somente esquecendo Suas ideias,

distanciando-as da minha vida, poderia encontrar uma mulher que me

reconduzisse ao inferno do passado, ao gueto da dependência.

Durante os primeiros meses não posso dizer que Seus ensinamentos

me tivessem feito falta. Minha presunção tinha preenchido com abundância

aquele espaço. Sentia, porém, um obscuro sentimento de mal-estar crescer

dentro, como uma premonição supersticiosa, a profecia de uma iminente

desventura. Todo aquele lixo de emoções, de imagens negativas e de

sentimentos de culpa que acreditava ter deixado para trás estavam outra vez

se apoderando da minha vida.

A ideia de poder construir nossa felicidade sem considerar nada além

do nosso egoísmo, de noite empalidecia como a lua daquele céu islâmico sob

o qual Heleonore e eu não tínhamos mais cidadania. Não somente pelo

Dreamer, mas também pelas leis kuwaitianas, éramos ilegais. Não se podia

subestimar os riscos que corríamos num país que tinha eleito o Alcorão como

a lei absoluta para qualquer aspecto da sua existência. Um país de moral

farisaica, tão inflexível no público quanto licenciosa no privado.

Dia após dia afrouxaram-se os laços com o país, com aquele trabalho,

com o próprio Yusuf Behbehani, enquanto a casa em Piemonte, Chiá,

circundada por lagos aos pés dos Alpes e a vida na Itália representavam um

chamado sempre mais irresistível.

Uma exaltação subjugou-nos, pintando de negro nossa situação e tudo

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