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A-Escola-dos-Deuses-Formacao-Elio-DAnna

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A repetição

Descobri rápido que a parte mais interessante do jogo dos encontros

vinha depois. O Dreamer explicou-me que de um encontro derivava um

material infinito que deveria ser trabalhado. Ele escolhia cuidadosamente

sequências de imagens, fragmentos de colóquios. Como trechos do filme da

minha vida, Ele me mostrava depois os fotogramas, um a um, sob a luz de

uma sinceridade impiedosa. Pensamentos, emoções, atitudes da ocasião, cada

pequeno detalhe acabava sob Sua lente de aumento. Uma contração do rosto,

uma inflexão na voz, uma aceleração do coração, um estremecimento na

alma, um movimento do corpo, uma reação mecânica, um trejeito recorrente,

uma mesquinharia escondida na linguagem, no comportamento, nas emoções;

o modo que me havia apresentado ou sentado, um detalhe do traje... Nada

Lhe escapava. E mesmo depois de meses ou anos, se Sua impecável

pedagogia viesse a considerar necessário, era capaz de reencontrar e projetar

o fragmento mais remoto de um encontro. E então aumentava-o no

microscópio para me mostrar o perigo ou a catástrofe escondida atrás daquela

inépcia. Com Ele, descobria a armadilha mortal preparada atrás da tranquila e

aparente normalidade de um gesto ou de uma palavra. Eu via naquilo cruéis

mecanismos prontos a ativarem-se para me aprisionar. Esse trabalho

incomum não foi indolor; foi, aliás, muitas vezes insuportavelmente penoso,

mas teve a força de fazer descarrilar o meu destino dos trilhos traçados pela

repetitividade e desatenção, e modificou-o para sempre. Devo dizer que no

curso dessa prática regularmente afloravam minhas resistências e os

preconceitos mais inveterados, e com eles a sujeira psicológica acumulada

por anos. Todas as vezes eu me agarrava a algum pedaço do passado, um

fantasma, e o defendia, temendo vê-lo desaparecer. Alguma coisa em mim

não queria ser descoberta, escondia-se. Havia ainda tanta podridão que eu me

recusava a ver... Todas as vezes, inevitavelmente o Dreamer se transformava

em um caçador implacável, capaz de perseguir uma sombra do ser por meses

até fazê-la sair de sua toca e eliminá-la para sempre.

Uma vez eu me encontrava no Hotel Maurice da Rue de Rivoli, em

Paris. Atravessava o saguão para ir ao encontro de um empresário que me

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