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A-Escola-dos-Deuses-Formacao-Elio-DAnna

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dedicada ao Dreamer. Àquele trabalho ocupei-me com tenacidade por dias,

sem que pudesse prever seu fim. Todas as vezes em que a julgava quase

concluída, ao relê-la... parecia-me inadequada, bem longe do resultado

desejado.

Aparentemente era eu a escrevê-la, mas era a carta que me revelava.

Nela estava refletido meu ser. Com um pouco de sinceridade, eu via

expressões embaraçosas de um falso ego mostrarem-se furtivamente em uma

ou outra frase, denunciando vaidade, mentira, ausência de gratidão. Então eu

abandonava o que já havia escrito e começava tudo de novo. As mesmas

frases que num momento me pareciam certas, a uma nova leitura revelavamse

insatisfatórias, ou arrogantes, ou sem sentido. Muitas vezes, poucos

minutos depois, ao ler o que havia escrito, tinha a sensação de ler o texto de

outro ser, de um desconhecido. Então, substituía palavras, descartava frases e

conceitos inteiros, refazia o trabalho, confrontando-me todas as vezes com

minhas resistências, com uma incompreensão que não conseguia remover.

Uma voz interior incessantemente me pedia para parar, criticava-me e até

zombava de mim pelo absurdo daquele esforço. “Enfim”, dizia, “você não

saberia nem para onde enviar esta carta!”. Considerei este tormentoso e

contínuo pensamento o sinal mais seguro de que estava fazendo algo bom e

útil.

Estava aprendendo a desconfiar de mim, ou melhor, daquilo que até

aquele momento eu havia acreditado ser eu. Começava somente agora a

conhecer aquela parte sombria, indolente do meu ser, que havia guiado minha

existência. Finalmente estava vendo algo franco e sincero.

Depois de um dia e de uma noite de esforços frustrados, desiludido

pela leitura da enésima versão, percebi que, por mais voltas que desse, aquela

carta só poderia refletir o que eu era. O velho não poderia escrever o novo!

Não havia modo de manter fora daquela carta o antigo e deteriorado e as

monstruosidades vividas. Não existia nenhuma ideia, estilo expressivo,

construção, escolha de palavras que me permitisse esconder aquela

deformidade que me deixava horrorizado. O pensamento em Luca, as

circunstâncias do acidente, o cansaço venceram-me.

Depois de anos, senti de novo aquela sensação terrível de dois no

mesmo corpo. A ideia de cair para sempre na armadilha de uma ambiguidade

sem saída apavorou-me. Daria qualquer coisa, até mesmo abandonar a

convivência com este estranho, para sair do acúmulo de dúvidas e medo, de

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