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A-Escola-dos-Deuses-Formacao-Elio-DAnna

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pagamento antecipado pelo trabalho interno converte-se em autopunição.

Recordei os processos que tinha visto quando menino, os

carregadores de andor que jorravam suor e sangue sob o peso de uma estátua,

uma madona ou um santo. Observava-os com os olhos estatelados. Antes de

enfrentar um novo trecho, ajeitavam o pano sobre as costas dobradas para

protegê-los do imenso peso das grossas varas. Atravessavam becos e bairros,

passando entre duas alas de multidão maltrapilha que se ajoelhava e fazia o

sinal da cruz. Revi seus rostos arroxeados pelo esforço e o rosto dos santos:

os olhos voltados para o céu e as balançantes auréolas de latão dourado

fixadas na nuca. Giuseppona cobria-me, protegendo-me daquela febre de

corpos. “Estão ganhando o paraíso”, disse-me uma vez. Jurei a mim mesmo

que nunca iria a um lugar habitado por aquelas boas e deformadas

fisionomias. Sem saber, estava já observando uma alegoria viva do

pagamento. Unicamente o Dreamer teria, um dia, explicado que aquilo é a

tentativa de pagar antecipadamente, de sofrer e de usar a dor para esconjurar

futuros sofrimentos, exorcizar calamidades e desastres programados pela

própria desatenção, porém já a caminho de nosso encontro no mundo dos

eventos. Uma humanidade esmagada pelo peso de suas superstições – pobre

– tem apenas o sofrimento e a acidentalidade como pagamento.

A acidentalidade é sempre um pagamento, a indicação de uma cura,

mas involuntária, repetiu. Enfatizou mais vezes o fato de que se tratava

sempre de um pagamento, de um mal a serviço do bem, e nunca de uma

punição. Não queria que Sua visão pudesse de algum modo inserir-se entre

aquela infinidade de leis que vão do talião ao carma, até o contrapasso

dantesco inventado pelo ser humano, para dar-se uma razão pelas próprias

desgraças. Recomendou-me que registrasse essa Sua especificação nas

minhas anotações.

Para o Dreamer, no momento em que a vontade não funciona, o

mundo pega as rédeas. Aplicar a vontade a cada uma de nossas escolhas

elimina o pagamento involuntário, a acidentalidade, a causalidade. Por meio

da vontade podemos guiar nosso destino.

A acidentalidade é uma vontade degradada, esquecida, sepulta,

continuou o Dreamer. Paradoxalmente, a acidentalidade é uma vontade

involuntária que tomou o lugar da verdadeira vontade.

Recordei que o Evangelho fala de homens de boa vontade e o

Dreamer confirmou-me que aquela expressão indicava homens que fizeram o

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