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A-Escola-dos-Deuses-Formacao-Elio-DAnna

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polichinelo, tornada depois estrato de sua pele. Com Giuseppona sentia-as

ainda vivas e palpitantes; debaixo de remendos e trapos, eu via filtrarem-se

lampejos de ouro e sedas preciosas. Recordo-me ainda do meu embaraço

quando, nos dias de chuva, ela irrompia na sala de aula, no meio da manhã,

depois de render guardas e bedéis, para me fazer trocar meias e sapatos

molhados. Já maior, eu não quis mais que ela me levasse à escola segurandome

pela mão, mas ainda por algum tempo me acompanhou, seguindo-me a

distância. Na adolescência, foi minha confidente em todas as questões de

amor. O seu lacônico juízo “Ma chella non era per te!” por anos concluiu

consoladamente as minhas desilusões amorosas. Adorou Luisa desde o

primeiro dia, e, quando nos casamos e tivemos a primeira menina, ela veio

morar conosco. Foi a melhor governanta que poderíamos ter tido para

Giorgia e Luca, aos quais sempre foi ligada por um afeto e por uma devoção

sem limites.

Autodidata, decidida e combativa, de caráter rude e um pouco

despótico, Giuseppona era baixa e robusta. A estrutura física e os traços

decididos davam-lhe um ar ameríndio, um misto de índia anciã e chefe de

tribo, de quem possuía a dignidade e a coragem. Era lenta, pesada, mas onde

quer que chegasse colocava ordem. Com ela nunca faltava nada. Sua

capacidade de julgamento, a mesma a que recorri em tantos momentos da

vida, era uma mistura incomum e sempre nova de bom senso e sabedoria

popular. Sua presença trouxe alegria e bom humor em todos os lugares que

me acompanhou, em qualquer parte do mundo, e foi uma referência constante

por toda a minha vida. Quando Luisa adoeceu e depois faltou, foi mãe dos

meus filhos, sem esmorecer um dia sequer. Não poderei jamais pagar a dívida

de gratidão, nem exprimir o que esse ser representou para quatro gerações da

minha família.

Querida Giuseppona, eu a terei no meu coração para sempre.

Em Marraquesh, minha procura pelo Dreamer foi vã. Chegado o

terceiro dia, eu nem estava mais certo de que o enigmático bilhete que me

havia levado até lá era Seu.

Passei as longas horas de espera vagando pela cidade em busca de

qualquer indício. Por volta das duas horas da madrugada, retornando ao hotel

depois de uma intensa jornada de buscas infrutíferas, repassei mentalmente

cada detalhe de nosso encontro, tentando descobrir qualquer pista que

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