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A-Escola-dos-Deuses-Formacao-Elio-DAnna

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tornavam-se frestas profundas pelas quais eu penetrava nas raízes de uma

civilização que havia sido o berço do confucionismo. O segredo daquela

substância adesiva social, capaz de manter reunidos mais de um bilhão de

homens e mulheres, a sabedoria compreendida nas suas seis virtudes,36 foime

revelado pelo Dreamer com a autoridade da inteligência que o havia

gerado. Uma jovem artista estava concentrada em decorar vasinhos de vidro

de dimensões diminutas, microscópicas. Pintava o interior do objeto com

paciência e habilidade incomuns.

Paramos diante de sua banca e o Dreamer observou seus movimentos por

alguns instantes, sem fazer comentário. Depois, lentamente, das mãos da

moça Seu olhar se voltou ao meu rosto. O tempo dilatou-se, o momento

transformou-se em eternidade, e me perdi naqueles olhos que me estavam

penetrando como ninguém havia feito antes. A ternura de Carmela, minha

mãe, a severidade de Giuseppe, meu pai, o afeto de um amigo, a

venerabilidade de um mestre concentraram-se naquele único olhar que me

arrebatou a alma. Aquela artesã era Ele. Estava indicando o trabalho, o

processo de transformação a partir do interior que todo ser humano deve

cumprir e que ninguém no mundo poderá fazer por ele: tornar-se o artífice da

própria existência. Pela centelha de um instante, fui a criatura frente a frente

com seu criador, sem mais defesas, sem máscaras ou papéis. Naquele átimo,

saboreei a vastidão daquele ser, escutei Seu alento sem tempo, sem limites,

sem restrições, e bebi uma gota da Sua liberdade. Uma vertigem tomou o

lugar dos meus pensamentos.

A imagem seguinte da qual tive consciência foi ver-me sentado a uma

mesa de canto num local público. O ambiente era o de uma antiga casa de

chá. Da janela, segundo o que eu podia ver, toda a construção em madeira

parecia edificada sobre palafitas no centro de um pequeno lago. O

pensamento correu ao Dreamer. Percorri o olhar em volta à Sua procura.

Estava ali, sentado ao meu lado. Já sereno, observei que o local era

frequentado exclusivamente por chineses. Os clientes, com seus rostos, trajes,

adornos, pareciam saídos de uma estampa do período colonial, quando

Xangai, pequeno vilarejo de pescadores, estava no início de sua escalada para

se tornar um dos maiores portos do mundo. A voz do Dreamer, de início

tênue e distante, alcançou-me abrindo espaço no intenso burburinho dos

fregueses, tornando-se sempre mais clara. Parecia a continuação de um

discurso já iniciado.

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