subjetividade em paul ricoeur.pdf - FILOSOFIANET
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deles, porém, o autor destaca dois usos da interpretação, os quais são basilares para a sua<br />
própria concepção de hermenêutica 83 .<br />
O primeiro uso é aduzido por Ricoeur como “d<strong>em</strong>asiado ‘longo’”: o conceito de<br />
interpretação elaborado pelos filósofos gregos, que a identificaram com a expressão ou<br />
significação. Não obstante essa amplitude, a contribuição assaz relevante para toda a sua<br />
teoria veio de Aristóteles, que elaborou o conceito de “analogia do ser”. Constituindo uma<br />
“unidade probl<strong>em</strong>ática de uma pluralidade irredutível de significações” 84 , o ser poderia<br />
significar muitas coisas – como substância, qualidade, quantidade, t<strong>em</strong>po e lugar – e tal<br />
plurivocidade do ser no discurso seria inevitável para o Estagirita. É nesse ponto que Ricoeur<br />
encontra apoio para desenvolver uma interpretação baseada na multiplicidade de sentidos, não<br />
porque Aristóteles teria desenvolvido essa probl<strong>em</strong>ática, mas porque teria aberto uma brecha<br />
a ela <strong>em</strong> seu pensamento lógico-ontológico da univocidade 85 .<br />
Por outro lado, o autor aponta a exegese bíblica como o conceito diametralmente<br />
oposto, já “d<strong>em</strong>asiado ‘curto’”, na qual, s<strong>em</strong> perder consideravelmente seu significado<br />
original, a hermenêutica passou a indicar a ciência da interpretação das Sagradas Escrituras. A<br />
despeito do caráter “curto” desse conceito – devido à referência à autoridade (monástica,<br />
colegial ou eclesiástica) e sobretudo devido à aplicação a um único texto literário (a Bíblia) –<br />
Ricoeur chama a atenção dos filósofos para essa segunda tradição, dada a sua contribuição<br />
com noções relevantes como as de analogia, alegoria e sentido simbólico. De maior<br />
importância, porém, é o caminho que a exegese desenvolveu na Idade Média, estendendo a<br />
noção de “texto” para além da de “escritura”, voltando-se à leitura do “livro da natureza” – o<br />
que deu orig<strong>em</strong> à interpretatio naturae, desenvolvida por Spinoza 86 .<br />
É a partir da leitura dessas duas importantes tradições que Ricoeur formula seu<br />
próprio conceito de interpretação, definindo “a hermenêutica como a ciência das regras<br />
exegéticas, e a exegese como a interpretação de um texto particular ou de um conjunto de<br />
signos suscetível de ser considerado como um texto” 87 . Em tal projeto, ele conjuga as duas<br />
posturas hermenêuticas possíveis: a da “manifestação e restauração de um sentido” (“vontade<br />
83 Cf. NOVASKI, op. cit., p.110; SACADURA, op. cit., p.775.<br />
84 AUBENQUE apud RICOEUR, Da interpretação, p.30.<br />
85 Cf. BEUCHOT, op. cit., p.144; RICOEUR, Da interpretação, p.30.<br />
86 Cf. Id., p.28-31; BEUCHOT, op. cit., p.145.<br />
87 RICOEUR, op. cit., p.32.<br />
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