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subjetividade em paul ricoeur.pdf - FILOSOFIANET

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situação, à intuição inicial da ética, a saber, a visão ou a perspectiva da “vida<br />

boa” com e para os outros nas instituições justas 282 .<br />

Com isso, porém, o autor não intenta n<strong>em</strong> acrescer uma instância maior que a<br />

moralidade – a Sittlichkeit de Hegel – tampouco promover uma retratação da moral – que,<br />

como se viu, t<strong>em</strong> valor de provação da perspectiva da vida boa 283 .<br />

Para desenvolver tal projeto, Ricoeur toma um caminho centrado nos conflitos<br />

próprios da aplicação da moralidade, a fim de esclarecer aquilo que ele chama “sabedoria<br />

prática”. Na busca desses conflitos, ele abre sua investigação à “uma das vozes da nãofilosofia”<br />

que é a tragédia grega, ao postular que ela permite suspeitar tanto das “ilusões do<br />

coração” – que incid<strong>em</strong> sobre a perspectiva da vida boa – quanto das “ilusões nascidas da<br />

hybris [orgulho exagerado] da própria razão prática” – que incid<strong>em</strong> sobre a norma moral. A<br />

tragédia escolhida é a Antígona 284 , do autor Sófocles, na qual Ricoeur particularmente<br />

reconhece uma “instrução insólita da ética pelo trágico”, promovida sobretudo por um fator<br />

peculiar a esse gênero literário: o tratamento de agentes e suas ações de uma forma <strong>em</strong> que<br />

esses são submissos a forças que os superam, o que gera conflitos 285 .<br />

Ricoeur ressalta a estreiteza de perspectivas de ambos os protagonistas: enquanto<br />

Creonte restringe a classificação de amigo ou inimigo (philos ou ekhthros) à categoria política<br />

– aquele que serve ou não serve à cidade – Antígona fecha sua classificação na questão do<br />

laço familiar – de forma que somente o irmão morto é amigo. Nessa análise, Ricoeur afirma<br />

que “são realmente duas visões parciais e unívocas da justiça que opõ<strong>em</strong> os protagonistas. A<br />

estratégia de simplificação, [...] não torna Antígona menos desumana que Creonte”. Um outro<br />

traço é, ainda, destacado pelo autor: o apelo constante do coro para deliberar b<strong>em</strong> (eubolia),<br />

ou seja, para ser sábio (to phronein). S<strong>em</strong> desejar igualar o ensinamento trágico (“sabedoria<br />

282<br />

RICOEUR, O si-mesmo como um outro, p.281.<br />

283<br />

Cf. Id., p.281s.<br />

284<br />

Ricoeur não t<strong>em</strong> a preocupação de narrar a referida tragédia. É importante, porém, tomar alguns traços<br />

importantes dela. Antígona, que é fruto da união incestuosa de Édipo com Jocasta, procura reconciliar os irmãos<br />

Etéocles e Polinice, mas não obtém sucesso. Polinice sitia a cidade e acaba morrendo nas batalhas, junto ao<br />

irmão. Creonte sepulta Etéocles com todas as honras, mas proíbe que o mesmo seja feito com Polinice, por<br />

considerá-lo inimigo da cidade. Antígona, movida pelo amor ao irmão, julga injusta a proibição e enterra<br />

Polinice <strong>em</strong> segredo, o que leva Creonte condená-la à prisão <strong>em</strong> uma caverna, onde ela se enforca. Cf.<br />

ENCICLOPÉDIA BARSA. Rio de Janeiro/São Paulo: Helen Benton, 1975, v.1,p.431.<br />

285<br />

Nisso que Steiner designou “fundo agonístico da prova humana” – por apresentar uma série de antíteses,<br />

como aquelas entre hom<strong>em</strong> e mulher, sociedade e indivíduo, deuses e homens – Ricoeur afirma que “o<br />

reconhecimento de si é obtido ao preço de uma dura aprendizag<strong>em</strong> adquirida no curso de uma longa viag<strong>em</strong><br />

através desses conflitos persistentes cuja universalidade é inseparável de sua localização, cada vez inexcedível”.<br />

RICOEUR, op. cit., p.283s.<br />

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