subjetividade em paul ricoeur.pdf - FILOSOFIANET
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prática, traduzida como prudentia no latim), que se move entre dois limites: a felicidade,<br />
limite superior e a decisão singular, limite inferior 238 .<br />
Ricoeur lança mão de MacIntyre, do neo-aristotelismo, para enriquecer o<br />
entendimento da práxis. Várias contribuições brotam desse recurso, sobretudo a corroboração<br />
do sentido das práticas como “bens imanentes” (teleologia interna), devido ao fato de elas<br />
seguir<strong>em</strong> “padrões de excelência” estabelecidos socialmente, os quais, obedecidos, qualificam<br />
não somente as ações, como também seus agentes como “bons” – um bom médico, por<br />
ex<strong>em</strong>plo 239 . Ad<strong>em</strong>ais, a articulação com a noção de “plano de vida” (ideais de vida) permite à<br />
praxis não apenas ser fim <strong>em</strong> si mesma, como também tender a um “fim último” – o que abre<br />
caminho ao sentido que Gadamer reconhece na phronésis aristotélica, a qual permitiria<br />
conjugar o movimento aos ideais distantes com as avaliações acerca das vantagens e<br />
desvantagens da escolha de executar um certo plano de vida. Nesse sentido, por ex<strong>em</strong>plo,<br />
[...] uma vocação, uma vez escolhida, confere aos gestos que a <strong>em</strong>pregam<br />
esse caráter de “fim <strong>em</strong> si mesmo”; mas não cessamos de retificar nossas<br />
escolhas iniciais; às vezes nós as confundimos inteiramente quando a<br />
confrontação se desloca do plano da execução das práticas já escolhidas para<br />
a questão da adequação entre a escolha de uma prática e nossos ideais de<br />
vida, por mais vagos que sejam e, no entanto, por vezes mais imperiosos que<br />
a regra do jogo de um ofício que consideramos até aí invariável. Aqui a<br />
phronésis suscita uma deliberação muito complexa, <strong>em</strong> que o phronimos não<br />
é menos implicado que ela 240 .<br />
Cumpre ainda esclarecer uma distinção quanto ao conceito de “vida” entendido<br />
por Ricoeur. Para além da acepção meramente biológica, esse termo liga-se ao sentido éticocultural,<br />
ou seja, ao hom<strong>em</strong> completo, capaz de auto-apreciar-se – como a proposta socrática<br />
de uma vida examinada. Nisso, a idéia macintyreana de “unidade narrativa de uma vida”<br />
estende a avaliação das ações até os personagens, fato que revela o importante dado que<br />
o sujeito da ética não é diferente daquele a qu<strong>em</strong> a narração destina uma<br />
identidade. Além disso, enquanto a noção de plano de vida insiste pelo lado<br />
voluntário, até voluntarista, do que Sartre chamava projeto existencial, a<br />
noção de unidade narrativa insiste pela composição entre intenções, causas e<br />
acasos que encontramos <strong>em</strong> toda narrativa. O hom<strong>em</strong> aparece aí de repente<br />
238 Cf. RICOEUR, O si-mesmo como um outro, p.203-206.<br />
239 “Esse conceito de b<strong>em</strong> imanente, caro a MacIntyre, fornece desse modo um primeiro ponto de apoio ao<br />
momento reflexivo de estima de si, uma vez que é apreciando nossas ações que nós nos apreciamos a nós<br />
mesmos como seu autor”. Id., p.207s.<br />
240 Id., p.209.<br />
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