subjetividade em paul ricoeur.pdf - FILOSOFIANET
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2.3.4.4 – A leitura do texto e a compreensão do sujeito<br />
Ao mencionar a leitura como momento final da escritura, o trabalho <strong>ricoeur</strong>iano de<br />
interpretação se aproxima da exegese textual e da hermenêutica romântica. Como no discurso,<br />
há no texto a intenção de dizer algo a alguém e, ao ler, alguém pode entrar <strong>em</strong> contato com a<br />
mensag<strong>em</strong> e reatualizá-la. A finalidade da leitura, porém, não é a de recuperar exatamente a<br />
intenção do autor, mas a de pôr-se à escuta do texto, confrontar-se com ele e compreender-se<br />
melhor através do sentido nele proposto. Isso ocorre porque, a despeito de o autor falar pelo<br />
texto, eles se liberam, de forma que esse passa a “falar” por conta própria, apresentando<br />
possibilidades de relacionar-se com a transcendência e com mundos alternativos.<br />
O texto órfão do próprio pai, o autor, torna-se filho adotivo da comunidade<br />
dos leitores. Incapaz de socorrer a si mesmo, encontra o próprio pharmakon<br />
no ato de leitura. Mas isso, não acontece s<strong>em</strong> sentido. A conjunção de<br />
escritura e leitura não é um abraço tranqüilo 201 .<br />
Assim, cabe à leitura um papel fundamental na constituição mesma do texto e um<br />
dos traços que mais se destaca diz respeito ao que Hans-Robert Jaun denomina “horizonte de<br />
expectativas dos leitores”. Como cada leitor ou comunidade de leitores aproxima-se de um<br />
texto com expectativas próprias, resultaria que “o significado de um texto seja obra comum da<br />
obra que resiste à nossa opinião e da leitura que filtra o sentido <strong>em</strong> função do horizonte finito<br />
das nossas expectativas” – como o caso do “incr<strong>em</strong>ento icônico” encontrado nas diferentes<br />
leituras que os artistas plásticos pod<strong>em</strong> fazer acerca de um mesmo cenário. Destarte, Ricoeur<br />
postula que o texto possui uma “voz escrita”: não a voz narrativa – que é apensas uma de suas<br />
modalidades – mas algo que surge <strong>em</strong> uma situação especial <strong>em</strong> que o texto “fala” a partir do<br />
momento <strong>em</strong> que o leitor compreende a singularidade da obra, isto é, participa da dialética da<br />
pergunta e resposta presente na obra.<br />
201 RICOEUR, Filosofia e linguaggio, p.230.<br />
202 Id., p.231s, grifo do autor.<br />
Não se trata de uma voz, por assim dizer, vocal, jogada para fora do corpo<br />
com o sopro vital; é somente o análogo da voz na escritura, uma voz escrita.<br />
Uma voz s<strong>em</strong> boca, n<strong>em</strong> rosto, n<strong>em</strong> gesto, uma voz s<strong>em</strong> corpo. E no entanto<br />
uma voz que interpela o leitor e restabelece assim, para além do rompimento<br />
que a escritura instaura entre autor e leitor, o equivalente da ligação que a<br />
viva-voz preserva sobre o plano da palavra. Em tais raros momentos de<br />
leitura feliz, torna legítimo dizer que ler não é ver, mas escutar 202 .<br />
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