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A audiência de custódia e ilegalismo: reflexões iniciais sobre as práticas em Maringá (PR)
foram feitas por alguns e impostas aos outros. Mas, parece,
que podemos dar um passo mais adiante. A ilegalidade não
é um acidente, uma imperfeição mais ou menos inevitável.
É um elemento absolutamente positivo do funcionamento
social, cuja função está prevista na estratégia geral da sociedade.
Todo dispositivo legislativo dispôs espaços protegidos
e proveitosos onde a lei pode ser violada; outros, onde
pode ser ignorada; outros, finalmente, onde as infrações são
sancionadas. 19
Os ilegalismos são composições veladas de permissões e proibições
no seio da lei, supostamente universal. São espaços dentro dos ordenamentos
jurídicos que permitem às classes dominantes moverem-se de acordo
com seus interesses por entre as instituições e procedimentos legais, ao
passo que também conduzem as classes dominadas no interior do sistema
conforme lhes apraz. As diferenciações recortadas pelos ilegalismos permitem
observar a quem realmente serve determinada norma jurídica. 20 Ou
seja,
A lei é uma gestão dos ilegalismos, permitindo uns, tornando-os
possíveis ou inventando-os como privilégio da classe
dominante, tolerando outros como compensação às classes
dominadas, ou, mesmo fazendo-os servir à classe dominante,
finalmente, proibindo isolando e tomando outros como
objetos, mas também como meio de dominação. 21
Andrade e Alflen referem preocupação quanto ao entusiasmo conferido
à audiência de custódia e sua forma de implementação no Brasil: “[...]
os requisitos permanecem os mesmos para as prisões provisórias, o que
nos remete à convicção que cada magistrado possui quanto à necessidade,
19 FOUCAULT, Michel apud CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos
seus conceitos, temas e autores. Trad. Ingrid Müller Xavier. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2009. p. 224/225.
20 Cf. GAMA, Alexis Andreus; ÁVILA, Gustavo Noronha de. A resistência à audiência de
custódia no Brasil: sintoma de ilegalismo. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal,
v. 16, n. 93, p. 62-67, ago./set. 2015.
21 DELEUZE, Gilles. Foucault. Tradução de Claudia Sant’Anna Martins. São Paulo: Brasiliense,
1988. p. 39.
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AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: DA BOA INTENÇÃO À BOA TÉCNICA