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A audiência de custódia como exemplo privilegiado da bipolaridade da justiça constitucional...
A desintegração sistêmica do modelo caleidoscópico e incongruente
da audiência de custódia ostenta uma ramificação dúplice oriunda dessa
inconstitucionalidade tópica. A uma, porque brasileiros na mesma situação
jurídica serão passíveis de um tratamento injustificadamente diferenciado
a depender de onde se encontram (afronta à primeira proibição, correlata
à primeira parte do artigo 19, III). A duas, porque as próprias unidades federativas
estaduais promovem – apesar de capitaneadas por força de um
movimento nacional encampado pelo Conselho Nacional de Justiça, ao
menos enquanto pende de deliberação legislativa o projeto de lei nacional
acerca do assunto – preferências entre si, na medida em que a regulamentação
discricionária da audiência de custódia (discricionariedade em adotar
esse instituto ou não, ou em adotá-lo com padrões normativos diferenciados),
ao não possuir qualquer pertinência com reivindicada autonomia a se
suportar em vista de fatores regionais, destrona um princípio republicano e
federativo comum a nortear por igual todas as unidades regionais do Estado
brasileiro.
de 1925-1926, e de 1937 (somente depois reiterada como causa interventiva da União no
texto constitucional de 1988, artigo 34, inciso VII, “b”, num outro argumento oriundo da
Constituição vigente em torno da plausibilidade da tese em benefício da uniformização de
preceitos ou institutos que assegurem simetricamente os direitos da pessoa humana em todo
o país), Pontes de Miranda assevera o acerto da Constituição de 1967 (com a Emenda n. 1 de
1969) de evitar a menção a tais direitos como princípios constitucionais, eis que se mostram
“eficácia de princípios, e não princípios” (Ibidem): a exclusão desses direitos sob a técnica
legislativa antecipada na literalidade do dispositivo constitucional não sepulta, contudo,
sua tônica hermenêutica na demanda interpretativa pela respectiva eficácia em situações
concretas de ameaça ou lesão. Frise-se que a demanda normativa por respeito aos direitos
individuais, pioneiramente incorporada na Constituição de 1891 pela Ato Revisional de
1925-1926, procedeu de manifesto parlamentar de Borges de Medeiros nos Anais daquela
reforma constituinte, de modo a incluir “as franquias individuaes entre as prerogativas do
systema republicano” (MAXIMILIANO, Carlos. Commentarios à Constituição Brasileira. Porto
Alegre: Livraria do Globo, 1929. p. 185). Sobre a Constituição em vigor, em se tratando da
intervenção federal nos Estados atrelada à não observância dos direitos da pessoa humana –
a se mostrar um efeito incontroverso da simetria federativa a exigir o fiel e homogêneo acatamento
da audiência de custódia por todas as unidades estaduais –, Ricardo Lewandowski
ensina que o devido respeito a certos princípios comuns na organização interna de todos
os entes federativos mostra-se como fator essencial responsável por consolidar uma genuína
Federação, motivo pelo qual se justifica a intervenção no caso de serem violados direitos e
liberdades fundamentais por parte dos Estados e do Distrito Federal (Comentários aos artigos
34 a 36 da Constituição. In: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina,
2013. p. 810-811).
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AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: DA BOA INTENÇÃO À BOA TÉCNICA