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SOBRE O APROVEITAMENTO DAS DECLARAÇÕES AUTOINCRIMINATÓRIAS DO FLAGRADO EM AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
Feitas tais digressões, chega-se a uma conclusão óbvia: se a audiência
de custódia é um ato previsto dentro do ordenamento jurídico (seja
porque decorre de convenção internacional 62 , seja porque será regulamentada
legalmente, seja porque há instrumentos normativos expedidos por
tribunais), não há qualquer motivo que justifique considerá-la como uma
violação de direitos fundamentais do acusado, já que ela não coincide com
qualquer forma de ilicitude na obtenção de prova.
Ora, a maior de todas as garantias em processo penal não está afetada
com a audiência de custódia. Afinal, ninguém será considerado culpado
por ter nela sido ouvido, pelo simples fato que dela não decorrerá o trânsito
em julgado de sentença penal condenatória alguma, com o que se mantém
o respeito ao artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal.
Ao mesmo tempo, também está assegurado o direito de permanecer
calado (nemo tenetur se ipsum accusare), nos termos da Constituição Federal,
artigo 5º, inciso LXIII. 63 Aliás, a omissão de informação quanto a tal direito
ou sua informação inadequada é que, em verdade, pode fazer com que
as provas decorrentes de tal interrogatório sejam consideradas como provas
proibidas, dado haver intromissão ilegítima na privacidade do acusado. 64
O direito ao silêncio é a marca maior do respeito à liberdade de
determinação daquele que está na condição de acusado 65 , já que declarar
ou não, antes da acusação, constitui oportunidade de defesa que está a seu
alcance, pelo que não pode ele ser proibido de falar com quem o defende,
pois este seria um dos episódios em que mais se violariam direitos concedidos
à defesa. 66
62 Sempre deve ser lembrado o que diz o § 2º do artigo 5º da Constituição Federal do Brasil:
“os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”.
63 Por exemplo, o artigo 6º do Provimento Conjunto nº 03/2015 da Presidência do Tribunal de
Justiça e Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo.
64 Como se pode depreender do ensinamento de Loureiro (2014, p. 82).
65 SOUSA MENDES, 2014, p. 414. A possibilidade de permanecer calado está vinculada, por
certo, à ideia de não autoincriminação, pelo que não pode ele ser obrigado à confissão, revelar
elementos que podem lhe ser prejudiciais ou informar sobre uma conduta penalmente
relevante. Na medida em que a forma de (não) declaração envolve uma questão de personalidade,
é imprescindível a liberdade do acusado (TROIS NETO, 2011, p. 127).
66 LOUREIRO, 2014, p. 83.
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AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: DA BOA INTENÇÃO À BOA TÉCNICA