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A audiência de custódia como exemplo privilegiado da bipolaridade da justiça constitucional...
O mote de nossa investigação indica, ao contrário de inações anestesiadas
pela técnica da fria estampa processual, o delineamento da interpretação
conforme à Constituição para o fito de dar primazia axiológica
aos ditames legislativos ordinários ainda literalmente refratários aos princípios
constitucionais. Sem esquecer que ao dever ético de se interpretarem
as normas jurídicas infraconstitucionais em consonância ao Texto Maior
redunda a equivalente imposição ética de interpretar a Constituição diretamente,
retirando-lhe eficácia à revelia de eventual omissão legislativa. 30
A interpretação conforme consiste em mecanismo da justiça constitucional
em sede de decisões interpretativas difusas – a cargo de qualquer magistrado
em sua atuação cotidiana – com a finalidade de concretizar fundamentos,
objetivos e valores tutelados na perspectiva dialeticamente viva do
30 Frise-se que o ponto dogmático acerca da interpretação conforme resulta problematizável
em pelo menos dois aspectos: as relações entre Constituição e regulamentação legislativa
(princípio da interpretação de leis existentes e válidas conforme à Constituição versus
princípio da interpretação da Constituição conforme as leis democraticamente aprovadas
em sua regulamentação) e as relações entre Constituição e a inércia superveniente do poder
público (em específico no trato legiferante), quando vem à tona a natureza das normas
constitucionais em termos de sua eficácia normativa, com especial complexidade no caso
das normas constitucionais de eficácia limitada, mais detidamente na difícil encruzilhada da
inconstitucionalidade por omissão que redunde no sacrifício (mais ainda, diferido no tempo)
de direitos fundamentais. Uma amostra desse complexo relacionamento entre o direito ordinário
concretizado em ato normativo – que já constitui uma ponderação antecipadamente
interpretativa das normas constitucionais envolvidas pelo próprio legislador – e a Constituição
se pode ver nos termos de crítica ao processo de constitucionalização do direito, o qual
acarretaria o denominado totalitarismo ou colonialismo do direito constitucional sobre os
demais ramos do direito: “não é tanto o juiz, enquanto juiz, que existe para servir os legisladores;
antes, as legislações é que existem para ajudarem o juiz a fazer justiça no caso concreto”
(SOUZA JUNIOR, Cezar Saldanha. Direito constitucional, direito ordinário, direito
judiciário. In: 20 Anos da Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 372). Nessa
toada, Alexandre Santos de Aragão defende a deferência hermenêutica na aplicação do
direito aos enunciados normativos aprovados pelo legislador, porquanto “a ponderação já
foi realizada quando da edição da norma” (Subjetividade judicial na ponderação de valores:
alguns exageros na adoção indiscriminada da teoria dos princípios. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro, v. 267, p. 63, set./dez. 2014). Noutra banda, há de se constatar
no presente uma notável tendência, percebida empiricamente, da jurisdição constitucional
em rumar para o “abandono da tradicional postura de autorrestrição na manipulação do sentido
literal de textos normativos a partir de princípios constitucionais abstratos” (BRANDÃO,
Rodrigo. Aplicação direta de princípios constitucionais, ativismo judicial e superação do
dogma do “legislador negativo”. In: Direitos fundamentais e jurisdição constitucional. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, versão em e-book).
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AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: DA BOA INTENÇÃO À BOA TÉCNICA