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A audiência de custódia como exemplo privilegiado da bipolaridade da justiça constitucional...
realização fática ou existencial a despeito do seu prévio reconhecimento
normativo? A audiência de custódia consumou-se procedente e, pois,
reivindicável, do ponto de vista normativo da interpretação jurídica. No
entanto, ela ainda padece deste déficit – talvez o mais proeminente – de
efetividade. Qual a verdade da interpretação jurídica que a realidade –
também interpretativa – teima em consagrar eficaz na verdade inevitável
do acontecimento sensível que nos interpela? A moldura interpretativa do
mundo 5 , se de fato deteriora a outrora segurança imperativa do conhecimento
da metafísica (um legado da modernidade cartesiana), acomete
em contrapartida a responsabilidade por um tempo histórico hermenêutico
onde a última palavra depende da própria humanidade e de suas instituições,
ou seja, cuja lupa aponta para a metafísica do conhecimento 6 .
O que se propõe aqui é a resposta da hermenêutica filosófica para
a crise atual do fundamento, substituindo-se ao método do monólogo soberano
(como o cogito de Descartes) de paradigmas absolutos e refratários
à historicidade; trata-se de a hermenêutica se propor, “embora ainda sob
a forma epistemológica, como o lugar de uma necessária reavaliação da
5 Num feliz jogo de termos, Juremir Machado da Silva, ao abordar a moldura de uma época,
disseca em poucas perguntas a agrura do pensamento hermenêutico: “Cada época cria o
seu imaginário? Cada imaginário produz a sua época? Ou cada época cria o imaginário que
a produz?” (Correio do Povo: 120 anos de aventura diária. Correio do Povo, 26 set. 2015.
Caderno de Sábado).
6 A era da metafísica do conhecimento se identifica com o tempo da pós-modernidade, onde
proliferam visões de mundo interpretativas, numa complexidade ecoante de múltiplas vozes.
No entanto, reivindicando uma plataforma de racionalidade infensa ao relativismo agudo perturbador,
Umberto Eco, em criativas palavras direcionadas contra a intensa repercussão provocada
pelos autores contemporâneos que preconizam o denominado “pensamento fraco”, cuja
filosofia descende do lema nietzscheano “fatos não há, apenas interpretações”, desfere a seguinte
crítica: “uma curiosa qualidade dos fatos é a de mostrar-se resistentes às interpretações
que eles não legitimam” (O pensamento fraco versus os limites da interpretação. In: Da árvore
ao labirinto: estudos históricos sobre o signo e a interpretação. Traduzido por Maurício Santana
Dias. Rio de Janeiro: Record, 2013. p. 548). E prossegue: “se os fatos são sempre conhecidos
e comunicáveis por meio de interpretações, eles de algum modo se erigem como parâmetro
de nossas interpretações” (Ibidem, p. 549). Nas linhas de Marilena Chauí, esse deslocamento
do conhecimento da metafísica para a metafísica do conhecimento coincide com a passagem
da realidade sem mistérios para o mistério do mundo, com a mudança “do foco sobre o qual
a luz natural incide: vai paulatinamente deixando de iluminar a realidade para mergulhar no
lusco-fusco do mundo” (Da realidade sem mistérios ao mistério do mundo: Espinosa, Voltaire
Merleau-Ponty. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 8).
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AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: DA BOA INTENÇÃO À BOA TÉCNICA