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Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

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CAPÍTULO 2 CORRUPÇÃO E DEMOCRACIA NO BRASIL: EXPLORANDO CONEXÕES, TENDÊNCIAS E CONSEQUÊNCIAS<br />

Em terceiro lugar, o caso brasileiro demonstra como a corrupção não deve ser compreendida<br />

como um dilema meramente contemporâneo. Pelo contrário, um entendimento consciente a respeito da<br />

corrupção no país e de seus vínculos com a democracia brasileira precisa estar profundamente contextualizado<br />

com a história do processo de formação do Estado. Durante o período colonial (1500-1822),<br />

a corrupção no país esteve ligada à economia colonial, o comércio de escravos, a exploração da mão<br />

de obra indígena e à estrutura hierárquica de poder, onde a administração colonial esteve fortemente<br />

ligada aos interesses comerciais da coroa portuguesa, a falta de representação política direta contribuiu<br />

na perpetuação de práticas corruptas e o sistema de Capitanias Hereditárias facilitou a corrupção ao<br />

incentivar uma cultura de corrupção e impunidade através do nepotismo e do uso indevido do poder em<br />

busca de benefícios próprios (FAORO, 2001; PRADO JR., 1967). Durante o período monárquico (1822-<br />

1889), a corrupção persiste sob formatos antigos, mas também se adaptou através do clientelismo, do<br />

coronelismo e do famoso “voto de cabresto”, onde cargos e favores eram concedidos e negociados com<br />

base em lealdades pessoais e sem transparência, contribuindo mais ainda para a falta de controle popular<br />

sobre as decisões governamentais e a manipulação do jogo eleitoral no país (LEAL, 2012). Somado a<br />

isto, a centralização do poder nas mãos do monarca, a falta de transparência e a liberdade de imprensa<br />

reduzida tornava o controle civil da corrupção uma tarefa incapaz de ser cumprida, apesar de pequenos<br />

avanços em termos de representação política (NEEDELL, 2013).<br />

Não à toa, é possível afirmarmos que a corrupção, já recorrente na época colonial e imperial,<br />

virou a “erva daninha” da República Federativa do Brasil (SCHWARCZ, 2019). Na República Velha (1889-<br />

1930), a chamada “Política do Café com Leite” demonstra como a corrupção se entrelaça com a política<br />

democrática, com os estados de São Paulo e Minas Gerais alternando-se no poder em um sistema de<br />

troca de favores e acordos entre as oligarquias dominantes. Por outro lado, durante a chamada Era<br />

Vargas (1930-1945), o governo de Getúlio Vargas foi marcado pela concentração de poder nas mãos<br />

do presidente e fracos mecanismos de prestação de contas, de modo que a corrupção seguisse se<br />

alastrando por meio de favorecimentos entre elites políticas e econômicas, com o desvio de recursos<br />

públicos ou o conluio com empresários (FAUSTO, 2006).<br />

Com o advento da Ditadura Militar (1964-1985), a crescente supressão do sistema político, a<br />

erosão das liberdades civis e instrumentalização dos mecanismos de controle transformou a corrupção<br />

mais uma vez, manifestando-se de maneira sigilosa, muitas vezes velada aos olhos da sociedade civil,<br />

e infiltrando-se nas estruturas do Estado brasileiro, também através do desvio de recursos públicos, o<br />

favorecimento a empresas e o enriquecimento ilícito de autoridades (GASPARI, 2002a, 2002b, 2003,<br />

2004). Com a redemocratização (1985-adiante), a corrupção na Nova República se tornou cada vez mais<br />

visível, em parte devido à maior liberdade de imprensa, ao fortalecimento das instituições de controle<br />

da corrupção e a união, pela primeira vez, de grandes partidos políticos, lideranças políticas, ministérios,<br />

presidentes, multinacionais e empresários famosos em uma série de escândalos de corrupção<br />

com ramificações transnacionais (LAGUNES et al., 2021). Atualmente, a proliferação da corrupção no<br />

Brasil no período pós-autoritário conta com uma “combinação periculosa” entre o presidencialismo<br />

de coalizão em um sistema partidário altamente fragmentado, um Estado desenvolvimentista com<br />

DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 27

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