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Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

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CAPÍTULO 4 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: O DIREITO DIANTE DAS MUDANÇAS POLÍTICAS<br />

das forças de segurança, aparatos judiciais e outros organismos que foram utilizados pela repressão.<br />

Uma medida comum nesse ponto é afastar os criminosos de órgãos relacionados ao exercício da lei<br />

e de outras posições de autoridade, processo conhecido como expurgo ou lustração.<br />

A despeito da importância de todas essas medidas, que atingem, cada uma, objetivos distintos<br />

e complementares entre si, por uma questão de recorte, o foco da presente análise recai sobre o papel<br />

do direito à justiça, pelas razões discutidas a seguir.<br />

2 A CENTRALIDADE DO DIREITO À JUSTIÇA<br />

Fato é que todos os regimes políticos sucedem-se marcados por um grau variado de consenso<br />

e de embate entre atores representativos do antigo e dos novos tempos, envolvendo diversos temas<br />

e demandas. Destaca-se, no entanto, no cerne dessas transições, sobretudo quando prevaleceu no<br />

regime anterior um contexto de grave violência, uma questão inevitável a ser definida: o tratamento<br />

jurídico conferido aos que, com diversos graus de envolvimento, sustentaram e figuraram como quadros<br />

políticos do regime superado 5 .<br />

Via de regra, estes buscam, quando possível, proteger-se mediante a edição de atos normativos,<br />

revestidos formalmente de uma legalidade autoritária ou então inserem uma cláusula no contrato de<br />

negociação das transições que lhes garanta a almejada impunidade 6 .<br />

A especial atenção conferida à justiça criminal ou justiça retroativa, conceituada como a possibilidade<br />

de persecução penal de membros do governo autoritário que, de algum modo, estiveram<br />

envolvidos com as violações de direitos humanos, justifica-se, basicamente, porque a decisão de<br />

levar os responsáveis a julgamento não se resume a uma mera questão jurídica, envolvendo apenas<br />

institutos, técnicas e prazos processuais. Menos ainda trata somente de conceitos jurídicos como<br />

punibilidade, prescrição, graça ou anistia, a despeito de todas essas categorias estarem diretamente<br />

implicadas nessa discussão.<br />

Em realidade, parece-nos ser o direito à justiça o mais delicado aspecto e, via de regra, o obstáculo<br />

mais difícil de se transpor para que se atinja a plena realização de uma autêntica experiência de<br />

5 Nesse sentido, Méndez destaca que “an early test of their residual powers is, precisely, the attempt to protect their own representatives against any settling of<br />

accounts for the past human rights violations” (MÉNDEZ, 2001, p. 9).<br />

6 O modo, a variação e a solidez da garantia da impunidade em face ao anseio da justiça retroativa é questão complexa que não comporta uma causalidade<br />

exclusiva, ainda que normalmente esteja intimamente relacionada ao modo como ocorreu a transição. De acordo com Carlos S. Nino, podem-se classificar<br />

as transições de acordo com três critérios: (i) modalidade (por força ou por consenso); (ii) etiologia (endógena ou exógena); e (iii) estado jurídico em relação<br />

ao regime anterior (continuidade, ruptura ou restauração). Ponderando essas variáveis e suas conseqüências para a definição do tratamento jurídico-político<br />

dispensado aos membros do regime anterior por novos governos, dirá esse autor que “una variable clave podría ser el tipo de transición en el que el gobierno<br />

estaba embarcado. (...) Cuando la transición es más coercitiva, un nuevo balance de poder contribuye en forma positiva a las posibilidades de la justicia<br />

retroactiva. (...) En cambio, cuando la democractización se realiza a través de negociaciones destinadas a logra consenso, la justicia retroactiva tiene menos<br />

posibilidades de éxito”. Acrescenta que quando “el nuevo regimén democrático es una continuidad jurídica del viejo regimén autoritario y las violaciones<br />

de derechos humanos a ser llevadas a juicio están protegidas, por ejemplo, por una ley de amnistía, y los princípios contra de la derogación ex post facto<br />

garantizan la protección legal, exiten enormes obstáculos para la justicia retroactiva” e, ao contrário, “cuando existe un rompimiento jurídico completo,<br />

el camino de la justicia retroactiva resulta más sencillo”. Afirma ainda que “cuanto más graves son los abusos de los derechos humanos, existen más<br />

posibilidades de que el intento de hacer justicia tenga éxito”. Por fim, indica que “el lapso temporal que transcurre entre el momento en que se cometen las<br />

atrocidades y aquel en que se intenta realizar la justicia retroactiva tanbién ayuda para explicar su éxito relativo” (NINO, 2006, pp. 169 – 191).<br />

DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 53

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