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Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

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CAPÍTULO 4 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: O DIREITO DIANTE DAS MUDANÇAS POLÍTICAS<br />

Releva notar, também, que o objetivo declarado das transições enunciadas na contemporaneidade<br />

foi a busca do restabelecimento de regimes democrático-liberais, sob império da legalidade, com a<br />

forma institucional do Estado Democrático de Direito, de feição constitucional. Por conseguinte, no<br />

centro do debate encontram-se concepções de justiça e de direito capazes de contribuir decisivamente<br />

para coibir a perpetuação dos abusos perpetrados por parte dos agentes do Estado e, de algum modo,<br />

permitir a reparação e neutralização das fraturas e traumas herdados desse passado autoritário.<br />

Após contextos marcados por violência em escala e proporção muito grandes, é imperativo<br />

buscar referências éticas e parâmetros jurídicos novos para se restabelecer a vida em comunidade<br />

sob regimes políticos democráticos e de soberania popular. Entre as inúmeras dúvidas, há uma certeza<br />

nesta situação generalizada de desrespeito a direitos fundamentais: não se pode recomeçar de onde<br />

se tinha parado, como se nada tivesse acontecido.<br />

Diversos são os exemplos históricos que ilustram a impossibilidade de retomar a convivência<br />

democrática do momento em que ela foi interrompida, prescindindo de um amplo acerto de contas<br />

em relação ao passado. Em outras palavras, o desafio de uma transição nunca se resume à mera<br />

restauração de uma ordem antiga temporariamente suspensa, como se tratasse de recolocar nos<br />

trilhos a evolução de uma determinada comunidade.<br />

Em se tratando das ditaduras civis-militares do Cone Sul, essa impossibilidade de mero retorno<br />

ao status quo ante vê-se potencializada tanto pelo caráter recente das violações massivas de direitos,<br />

como pela desfiguração do ideal de vida compartilhada que a supressão das liberdades públicas causou.<br />

Foram regimes de exceção caracterizados pela repressão e perseguição de opositores, justificadas<br />

geralmente por motivos de ordem político-ideológica, que afrontaram diretamente o direito internacional<br />

dos direitos humanos, produto da progressiva afirmação de valores e princípios de proteção da<br />

pessoa humana na ordem internacional, independentemente das comunidades políticas nacionais a<br />

que pertencem esses cidadãos.<br />

A superação dessa situação de violação sistemática aos direitos humanos normalmente se<br />

realizou a partir de uma tensão entre as demandas de justiça, por um lado, e os imperativos de estabilidade<br />

e de reconciliação nacional, por outro. A depender do tipo de transição e, sobretudo, do poder<br />

político residual dos integrantes do regime anterior, tomaram-se medidas de justiça ou mantiveram-se<br />

as garantias de impunidade dos autores dessas violações.<br />

Referenciado nessa nova realidade, emergiu um conceito que tem despertado a atenção dos<br />

cientistas sociais – ainda que poucos juristas se tenham debruçado sobre esse tema. Apesar da forte<br />

relação entre o nascimento da sociologia do direito e a resistência ao autoritarismo no Brasil e, a<br />

seguir, da tarefa de redemocratizar e reconstitucionalizar um Estado de Direito em nosso país, outras<br />

relações foram privilegiadas como objeto de investigação a partir dos anos 1990 3 .<br />

3 Para um inventário analítico das preocupações temáticas e dos principais trabalhos de pesquisa no campo da sociologia jurídica brasileira, ver Faria e<br />

Campilongo (1991).<br />

DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 51

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