Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
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CAPÍTULO 3 ACESSO À INFORMAÇÃO, DIREITO À MEMÓRIA E DITADURA MILITAR: O CASO DA CORRUPÇÃO AO LONGO DO REGIME DE 1964<br />
Camargo era quatro bilhões. Entretanto, entre outras coisas a Camargo conseguiu botar<br />
lá dentro uma eclusa de trezentos milhões de dólares. Essa foi aquela segunda etapa<br />
que eu falei. Do transformar um contrato em um bom negócio. O contrato ele pegou por<br />
um preço que o levaria à falência. Não dava para perder três bilhões de cruzeiros. Depois<br />
então que já pegara esse contrato, mudou e incluiu a eclusa. 17<br />
A obra a que o empreiteiro se refere é Tucuruí, cuja concorrência ocorreu em meados dos anos<br />
70 e gerou conflito com a Mendes Júnior, que reclamou do resultado. Depois de obtida a obra, a empreiteira<br />
paulista conseguiu aditivos, tornando-a mais cara e lucrativa para a construtora. O dirigente da<br />
construtora Wilson Quintella assim justifica essa e outras decisões similares da empresa: “A Camargo<br />
Corrêa tinha a fama de sempre apresentar uma conta nova no curso das obras, como maneira de<br />
ganhar mais dinheiro. Estávamos, porém, em busca de melhores soluções.” 18 O empreiteiro tenta aí<br />
mascarar a intenção de ampliar as margens de ganho.<br />
Outro exemplo é dado por Hermano Cézar Jordão Freire, da carioca Esusa:<br />
Recentemente, houve aqui no Rio uma concorrência, a maior havida este ano, em que<br />
a firma ganhadora entrou com uma redução de 42% sobre o valor do orçamento oficial.<br />
Qualquer observador atento tira conclusões óbvias: ou a empresa não vai dar conta do<br />
recado, pois é impossível realizar uma obra de concreto obtendo economia no montante<br />
de 42%, ou ela vai conseguir mudar a regra no meio do jogo. 19<br />
O que ocorreu nesse caso foi um tipo de irregularidade comum para tornar a obra mais rentável,<br />
o uso de aditivos ao contrato, de modo a tornar o empreendimento mais lucrativo. O objetivo dos<br />
empreiteiros ao fazer isso é a maximização dos ganhos. No período JK, eram comuns as denúncias de<br />
registro de serviços não-existentes nas obras do DNER, como a necessidade de equipamentos especiais<br />
não usados e a indicação de rochas e obstáculos inexistentes na região da rodovia, elevando os<br />
valores pagos aos empresários 20 . Na usina de Angra, foram feitas acusações de que verbas adicionais<br />
para a obra davam mais serviços e possibilidades de lucros à Odebrecht 21 . Marilena Chaves destaca<br />
também lacunas nas concorrências e alterações na execução das obras, o que pode ser uma fonte<br />
de ganho extra para as empresas, assim como os “erros” de projeto 22 . Outro mecanismo, muito usado<br />
após a abertura, é o atraso proposital da obra, para que muitos serviços fiquem para o final do seu<br />
17 Entrevista anônima. Apud FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. Dissertação de mestrado em Economia.<br />
Campinas: Unicamp, 1981, p. 104-105.<br />
18 QUINTELLA, Wilson. Memórias do Brasil Grande: a história das maiores obras do país dos homens que as fizeram. São Paulo: Saraiva / Vigília, 2008. p. 15-24.<br />
19 Revista O Empreiteiro. Edição de outubro de 1979, no 141.<br />
20 FERRAZ Filho, Galeno Tinoco. A Transnacionalização da Grande Engenharia Brasileira. Dissertação de mestrado em Economia. Campinas: Unicamp, 1981, p.<br />
31-109.<br />
21 BRANDÃO, Rafael Vaz da Motta. O Negócio do Século: o acordo de cooperação nuclear Brasil – Alemanha. Rio de Janeiro: Autografia, 2017, p. 72-107.<br />
22 CHAVES, Marilena. Indústria da Construção no Brasil: desenvolvimento, estrutura e dinâmica. Dissertação de Mestrado em Economia Industrial. Rio de Janeiro:<br />
UFRJ, 1985, p. 29-77.<br />
DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 40