Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
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CAPÍTULO 3 ACESSO À INFORMAÇÃO, DIREITO À MEMÓRIA E DITADURA MILITAR: O CASO DA CORRUPÇÃO AO LONGO DO REGIME DE 1964<br />
“tempo político”, fazendo com que o administrador libere verbas para entregá-la no prazo, o que pode<br />
vir a ser uma fonte de ganho extra para a empreiteira 23 .<br />
Esses são casos que ilustram como as empreiteiras usam formas não necessariamente ilegais para<br />
elevar suas taxas de ganhos nas obras. Elas acessam também seus contatos políticos e muitas vezes<br />
pagam parte de seus ganhos para agentes que cumprem funções no aparelho de Estado, o que configura<br />
outra dessas práticas recorrentes envolvendo empreiteiras. A associação mais comum, no entanto, é com<br />
figuras que cumprem funções em agências estatais ou elementos intermediários. Samuel Wainer, dono<br />
do jornal Última Hora, relata como ele, na função de jornalista, intermediava pagamentos irregulares de<br />
empreiteiros a agentes do poder público, como o presidente Goulart, e cita como Chateaubriand recebia<br />
dinheiro de empreiteiros para cobrar de governantes certas obras para empreiteiras específicas. Já na<br />
ditadura, Wainer se refere David Nasser como agente da imprensa que se incumbiu mais centralmente<br />
dessa função 24 . No caso, recursos que vinham de obras públicas passavam por mãos que não eram dos<br />
empregados e empregadores das empresas realizadoras dos serviços. Existia uma remuneração externa<br />
à empreiteira, representada por intermediários, outros empresários e burocratas. O mecanismo servia<br />
para tornar a obra mais cara e elevar o montante de lucro gerado.<br />
Outros eram os casos denunciados de propinas e pagamentos a intermediários ou funcionários<br />
públicos para viabilização, aceleração ou alteração de um projeto de obra. O empreiteiro Henrique<br />
Guedes relata várias ocasiões e situações de pagamento de propinas em seu livro 25 . No BNH, eram<br />
recorrentes os “escândalos” envolvendo corrupção passiva de seus funcionários e havia relatos de<br />
que as comissões ali eram de 30%. Seguindo a mesma regra, o governador do Paraná, Leon Pires, foi<br />
deposto durante a ditadura por ser gravado pelo empreiteiro Cecílio Rego de Almeida (da CR Almeida)<br />
extorquindo-lhe US$ 1 milhão 26 . No caso, o empreiteiro fez a denúncia provavelmente por não concordar<br />
com o valor da comissão, tido possivelmente como alto demais. O caso foi acompanhado pelo Serviço<br />
Nacional de Informações, o SNI.<br />
Já na transição para o regime democrático, o governador do Espírito Santo, Gerson Camata, foi<br />
acusado de receber propina da Odebrecht, ao conseguir que a mesma fizesse a ponte entre Vitória<br />
e Vila Velha, articulando para que ela ficasse responsável pela administração do pedágio da via. No<br />
caso, a acusação foi feita apenas em 2009 por um ex-assessor do governador 27 . O caso é emblemático<br />
por mostrar como, aparentemente, os mecanismos de remuneração de agentes do poder<br />
público por empreiteiros foram reinventados com as políticas neoliberais e a administração privada<br />
de serviços públicos.<br />
23 Entrevista com o engenheiro Carlos Freire Machado, realizada em 18 de maio de 2010.<br />
24 WAINER, Samuel. Minha Razão de Viver: memórias de um repórter. 10ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1988<br />
25 GUEDES, Henrique. Histórias de Empreiteiros. São Paulo: Clube dos Empreiteiros, s/d, p. 191-200.<br />
26 GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 153-74.<br />
27 O GLOBO. Edição de 19 de abril de 2009, p. 3-4. Reportagem ‘Confissões de um caixa dois’.<br />
DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 41