Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
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CAPÍTULO 5 ACCOUNTABILITY E CONTROLE DEMOCRÁTICO DO PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL<br />
2 QUALIFICANDO ACCOUNTABILITY JUDICIAL<br />
A aplicação de um conceito amplo como o de accountability a uma instituição como o Poder<br />
Judiciário e aos seus integrantes demanda algumas adaptações. Quer dizer, embora derivado do<br />
conceito geral de accountability, o conceito específico de accountability judicial merece ao menos<br />
quatro qualificações, a saber: (i) ela não se limita ao controle da corrupção judicial; (ii) ela é preponderantemente<br />
indireta; (iii) ela abarca tanto a “atividade-fim” como as “atividades-meio” do Poder<br />
Judiciário; e (iv) ela pode ser institucional, e não somente individual. Cada uma dessas especificações<br />
se encontra brevemente explicada e discutida a seguir.<br />
A primeira qualificação é coerente com o escopo de accountability definido acima, de acordo com<br />
o qual a accountability – e, por extensão, a accountability judicial – não se limita a casos de corrupção<br />
(judicial), embora também os abarque. Dito de outra forma, accountability judicial engloba casos de<br />
corrupção judicial, mas também outras formas potenciais de abuso e ineficiência. Isso sugere que o<br />
conceito abarca episódios claros de corrupção ou uso indevido da função pública para benefício privado<br />
(e.g., venda de decisões judiciais), mas também potenciais conflitos de interesses (e.g., diferentes<br />
formas de proximidade com partes processuais), ineficiência (e.g., morosidade, custos excessivos),<br />
incompetência (e.g., erros, ilegalidades flagrantes) e outras formas de abuso (e.g., comportamento<br />
arbitrário, preconceituoso e/ou desrespeitoso). Isto é, a accountability judicial não se limita a punir<br />
juízes alegadamente corruptos, embora também possa fazê-lo, mas deve ser compreendida como<br />
um incentivo para que o Poder Judiciário como um todo e os seus respectivos integrantes atuem de<br />
acordo com os mandatos recebidos pela instituição do corpo de cidadãos em uma democracia liberal.<br />
Um exemplo de que a accountability judicial não se presta somente a punir magistrados corruptos<br />
são os processos de competência correicional instaurados no âmbito do Conselho Nacional de Justiça<br />
(CNJ). Neles, o tipo mais frequente decorre de representações por excesso injustificado de prazo para<br />
julgamento de casos – uma alegação que mais facilmente pode ser classificada como ineficiência do<br />
que como corrupção propriamente dita (VIEIRA, 2019, p. 75-76).<br />
A segunda qualificação é que a accountability judicial é uma relação preponderantemente indireta.<br />
Isto é, apenas nos poucos lugares do mundo onde há eleições para os cargos de juiz é possível falar<br />
em uma accountability direta regular entre a população e os magistrados. 2 Na maior parte dos países<br />
do mundo, contudo, imperam dois modelos de seleção de magistrados que praticamente inviabilizam<br />
a relação direta de accountability entre população e magistrados, quais sejam: (i) indicações por outros<br />
poderes do estado; e/ou (ii) indicações pelo próprio Poder Judiciário, geralmente a partir de seleção<br />
por exames (RUSSEL e MALLESON, 2006; SPÁC, 2018). Como consequência, na maioria dos países –<br />
Brasil incluído – inexiste relação direta entre a população e os magistrados que permita que a primeira<br />
puna diretamente os últimos caso eles descumpram seus mandatos. A accountability judicial é indireta,<br />
2 Salvo engano, apenas em alguns estados dos Estados Unidos há eleições para magistrados (GLICK e EMMERT, 1987).<br />
DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 62