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Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

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CAPÍTULO 6 O DARDO E O ALVO: MINISTÉRIO PÚBLICO E ACCOUNTABILITY<br />

Outra forma de se referir à questão da accountability é analisá-la a partir do modelo agent-principal.<br />

O principal é aquele que delega tarefas a um terceiro, e, a partir das informações sobre a atuação<br />

de seu agent, aquele que recebeu a delegação de tarefas, pode puni-lo ou premiá-lo a partir de suas<br />

expectativas (PRATT; ZECKHAUSER, 1985). Buscando a recompensa ou temendo a punição, o desafio<br />

do principal é incentivar o agent a atuar no seu melhor interesse. A falta de punição sistemáticapode<br />

revelar que a accountability é falha ou, em sentido inverso, que o agent, buscando sua premiação, se<br />

adiantou e agiu no sentido desejado pelo principal.<br />

Se uma accountability “frouxa” abre espaço para uma atuação distante das preferências e<br />

prioridades do principal, o contrário também pode representar um risco. O excesso”de accountability<br />

pode matar a criatividade e a adaptabilidade do agent a situações não previstas, gerando, no limite,<br />

a paralisia decisória (MEDEIROS, 2022). O chavão de que a diferença entre o remédio e o veneno é a<br />

dosagem se encaixa perfeitamente bem aqui.<br />

Para incrementar a possibilidade de que os políticos, agents dos eleitores, e os burocratas, agents<br />

dos políticos, sejam passíveis de responsabilização por atos indevidos e ajam no melhor interesse<br />

dos cidadãos, órgãos de accountability foram criados, pelos próprios políticos, para impor limites aos<br />

“não-anjos” que povoam o Estado. Essa rede de accountability, ou deveria ser, razoavelmente protegida<br />

de ingerências externas, mesmo dos próprios políticos. O intuito é assegurar razoável grau de liberdade<br />

para que se possa fiscalizar e responsabilizar atores públicos por seus desvios.<br />

O Ministério Público brasileiro que surgiu na Constituição de 1988 é um desses órgãos da rede<br />

de accountability. Seu desenho institucional, contudo, não criou instrumentos para que esses agents<br />

sejam incentivados pelo seu principal, seja ele os próprios políticos ou os cidadãos. A este principal<br />

enfraquecido, cabe apenas torcer por uma correta atuação dos agents.<br />

O paradoxo, contudo, é que se os homens não são anjos, os promotores e procuradores também<br />

não se tornam angelicais ao passarem no concurso público que assegura acesso e estabilidade na<br />

carreira. Embora muitas vezes se confunda no debate público autonomia com neutralidade, o fato é<br />

que os integrantes do Ministério Público também têm suas preferências, simpatias e valores.<br />

O peso desses valores seria minimizado por procedimentos institucionais rigorosos. Uma<br />

hierarquia rígida e leis inequívocas limitariam a liberdade de escolha dos promotores e procuradores,<br />

diminuindo seu grau de discricionariedade. A questão é que o desenho institucional escolhido pelos<br />

constituintes de 1987-88, somado a diversas mudanças ao longo dos anos 2000, asseguraram ampla<br />

discricionariedade aos integrantes do Ministério Público.<br />

Essa combinação de autonomia e discricionariedade, que facilita e protege a atuação dos<br />

promotores em relação a limites que poderiam ser dados pelos políticos e até pelos cidadãos, assegura<br />

espaço para que esses atores não-eleitos e pouco accountable possam impor suas próprias preferências<br />

e valores quando exercem suas funções. Do ponto de vista democrático, isso representa algo<br />

DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 81

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