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Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

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CAPÍTULO 4 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: O DIREITO DIANTE DAS MUDANÇAS POLÍTICAS<br />

justiça transicional nos países da América Latina, dado o grau de tensão política e social que encerra<br />

a decisão de perseguir penalmente anos e até décadas após a redemocratização os crimes cometidos<br />

em um contexto de repressão política e de hierarquia militar.<br />

Pode-se dizer que essa decisão envolve variáveis de diversas ordens a serem ponderadas.<br />

Colocar determinadas grupos no banco dos réus depende, sobretudo, de qual versão da história se<br />

quer adotar como oficial e se consagrar na memória coletiva, instituindo um marco claro na mudança<br />

entre o velho e o novo governos. Não se trata, assim, apenas de conflitos judiciais terminados por<br />

juízos individuais de culpa ou de inocência, em que a discussão central desenvolve-se em torno dos<br />

temas da causalidade e da autoria dos crimes de lesa-humanidade.<br />

Desse modo, do ponto de vista jurídico, esse juízo carrega a tensão entre o direito internacional<br />

dos direitos humanos, com os mais caros princípios que sustentam o jus cogens e o direito internacional<br />

convencional e a questão das garantias individuais, sobretudo no campo penal, que são do mais<br />

alto valor nos Estados constitucionais de extração liberal, tais como o da irretroatividade da lei penal,<br />

prescrição da punibilidade, validade de anistias etc.<br />

Ademais, o dilema da penalização dos agentes repressores encerra um conflito entre, por um<br />

lado, os imperativos morais assentados comumente de que crimes não devem permanecer impunes<br />

e, por outro, a legalidade penal tradicional – que veda a justiça retroativa – e a soberania estatal, dois<br />

eixos históricos da afirmação nacional dos Estados.<br />

Em termos políticos, expressa um balanço entre os poderes, opondo a energia do novo regime ao<br />

resíduo de poder dos antigos governantes. Além disso, consolida uma verdade publicamente chancelada,<br />

em que se converte a versão oficial da história dos acontecimentos, bem como uma caracterização<br />

política e moral do regime anterior, que passa a ser visto como injusto e reprovável, colaborando com<br />

a estruturação de uma memória coletiva eticamente referenciada.<br />

Culturalmente, também reflete a polarização entre, por um lado, os propósitos de reconciliação<br />

e pacificação, que trazem implícita certa idéia de perdão e esquecimento, e, por outro, a pressão por<br />

reparações econômica e simbólica, cujo pressuposto é o reconhecimento de abusos que foram efetivamente<br />

cometidos, trazendo à tona, como elemento central, a impunidade dos agentes responsáveis<br />

pela repressão política.<br />

Deve-se registrar, inclusive, que o tratamento penal e a cultura da punição, em se tratando de<br />

uma questão de alto teor de politização, é dos pontos mais polêmicos entre os estudiosos do tema,<br />

que divergem normalmente quanto à efetividade e à adequação desse tipo de instrumento. Não se<br />

trata, assim, de considerá-lo de antemão como o melhor meio de realizar um acerto de contas com o<br />

passado ou mesmo como a forma mais adequada de levar a cabo um trabalho efetivo de justiça e de<br />

memória sob qualquer contexto ou circunstância.<br />

DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 54

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