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Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

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CAPÍTULO 6 O DARDO E O ALVO: MINISTÉRIO PÚBLICO E ACCOUNTABILITY<br />

próximo ao que já foi definido em relação ao Poder Judiciário como uma “dificuldade contramajoritária”<br />

(BICKEL, 1962). Ou seja, juízes, e aqui incluímos os promotores, decidindo e atuando a despeito e<br />

contrariamente às maiorias representadas no Poder Legislativo. A atuação de promotores e procuradores<br />

altamente insulados pode mudar os rumos de políticas públicas decididas por administradores<br />

eleitos, interferir na vida político-partidária e contribuir para decisões judiciais que vão na contramão<br />

dos desejos expressos pelo Congresso. Ou, como lembram Oliveira e Couto (2016, p. 2), “a intensa<br />

interferência judicial na política pode constituir num risco à democracia, na medida em que confere a<br />

um poder não eleito (e, por isso, insuscetível ao controle democrático do voto) a capacidade de alterar<br />

um status quo produzido por agentes públicos eleitos.”<br />

Este capítulo está organizado, além desta introdução, em duas partes e uma conclusão. Na<br />

primeira será discutida a autonomia do Ministério Público em relação aos outros atores estatais. Na<br />

segunda parte, discutiremos a autonomia interna dos promotores e procuradores em relação aos<br />

órgãos colegiados e superiores hierárquicos. Na conclusão resgataremos alguns pontos da Operação<br />

Lava Jato que ilustram perfeitamente bem as consequências do modelo de Ministério Público adotado<br />

a partir da Constituição de 1988.<br />

1 O MINISTÉRIO PÚBLICO E OS ATORES EXTERNOS<br />

É comum que Estados tenham um órgão responsável pela ação penal, embora o desenho institucional<br />

varie bastante. Em relação a sua ligação com os Poderes de Estado, o modelo mais comum<br />

em perspectiva comparada é um órgão ligado ao Executivo em que os promotores são, em algum grau,<br />

accountable ao governo 2 . A transposição quase automática da prescrição normativa da necessidade<br />

de independência para os juízes também para os promotores, como defendido pelo discurso de parte<br />

dos integrantes do Ministério Público no Brasil, é, portanto, imprecisa. Atribuições como investigar e<br />

acusar não são necessariamente semelhantes à de julgar. Esses papéis demandam diferentes graus de<br />

independência (SHAPIRO, 2013) e a associação entre juízes e promotores não é automática. Diferentemente<br />

do Poder Judiciário, o Ministério Público não é inerte. Os promotores são atores privilegiados<br />

para provocar os juízes e podem escolher quais matérias serão judicializadas, exercendo um papel<br />

de gatekeeper do Sistema de Justiça (AAKEN, FELD, VOIGT, 2010). Essa atribuição de selecionar e<br />

priorizar, típico da atividade executiva do Estado (SHAPIRO, 2013), funciona como uma indicação da<br />

posição e das prioridades de um governo sob determinados temas e questões (Guarnieri, 1995). Os<br />

casos selecionados, portanto, apontam quais as preferências e principalidades, os caminhos da política<br />

de segurança pública e mesmo as estratégias de combate à corrupção do Poder Executivo.<br />

2 Existem ao menos outros dois modelos de órgãos encarregados da ação penal em democracias. Nos Estados Unidos, em nível local, os District Attorneys,<br />

na maioria dos estados, são eleitos diretamente pelos cidadãos em eleições regulares e muitas delas com candidaturas partidárias . O outro modelo é o<br />

independente, adotado na Itália e no Brasil. Para mais detalhes, ver Kerche, 2018.<br />

DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 82

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