Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
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CAPÍTULO 5 ACCOUNTABILITY E CONTROLE DEMOCRÁTICO DO PODER JUDICIÁRIO NO BRASIL<br />
Mais do que apenas um de instrumento punição, a accountability é pensada especialmente<br />
como um instrumento que busca promover o maior alinhamento de preferências entre quem delega<br />
poderes e quem os recebe: é por meio da ameaça de punição que se espera que os representantes<br />
ajam de acordo com as preferências dos representados. Ela é, assim, um complemento à noção de<br />
responsividade – a ideia de que os representantes devem agir de acordo com as preferências dos<br />
representados, algo que é especialmente importante, mais uma vez, em um regime liberal representativo<br />
(MANIN, PRZEWORSKI e STOKES, 1999).<br />
Feita essa definição básica, é importante definir o escopo do conceito. O impulso inicial de<br />
praticamente toda discussão recente, inclusive acadêmica, sobre accountability é assumir que<br />
ela é um instrumento cuja finalidade única ou principal é controlar a corrupção – compreendida<br />
esta como o uso indevido do poder confiado para benefício privado (PHILP, 1997; WARREN, 2004).<br />
Sendo a corrupção uma violação da relação de confiança esperada entre os representantes (i.e.,<br />
os agentes públicos) e os representados (i.e., a população), a accountability seria uma forma de os<br />
últimos conseguirem punir os primeiros caso essa violação ocorra. E, por extensão, havendo o risco<br />
crível de punição, os representantes passariam a ter um incentivo para não praticarem corrupção.<br />
Accountability é, nestes termos, tanto um incentivo para a integridade como um mecanismo corretivo<br />
em caso de comportamento desonesto (KLITGAARD, 1988; ROSE-ACKERMAN e PALIFKA, 2016).<br />
A noção de que a accountability é um remédio apenas para a corrupção, contudo, é limitada.<br />
Embora a accountability seja efetivamente um dos principais instrumentos para controlar a corrupção,<br />
ela pode servir também a outros propósitos. Quer dizer, por ser um instrumento que busca promover<br />
o maior alinhamento entre as preferências de representados e representantes, não apenas casos de<br />
corrupção podem ser objeto de accountability, e sim também casos de potencial conflito de interesses,<br />
bem como de incompetência e ineficiência, entre outros. É em parte por causa dessa concepção<br />
ampliada de accountability, por exemplo, que se fala em accountability eleitoral quando os eleitores<br />
punem os eleitos ao migrar seus votos para outros candidatos quando o desempenho da economia é<br />
insatisfatório, conforme a literatura sobre voto econômico demonstra – veja-se: nesse caso, os eleitores<br />
punem os candidatos que buscam a reeleição votando em outros candidatos não porque os atuais<br />
mandatários são necessariamente corruptos, mas porque sua gestão da economia é considerada<br />
ineficiente (e.g., DOWNS, 1957).<br />
Assim, para fins desta revisão, a accountability judicial pode ser definida como o processo de<br />
prestação de informações, contas e esclarecimentos que o Poder Judiciário e os seus integrantes<br />
devem realizar regularmente a instituições instituídas para esse fim e ao público, para que possam<br />
ser punidos caso tenham atuado em desacordo com os seus respectivos mandatos. Como se trata<br />
de uma definição ampla e permeada por termos necessariamente vagos, é necessário qualificar o<br />
conceito de accountability judicial. Este é o objeto da próxima seção.<br />
DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 61