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Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

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CAPÍTULO 6 O DARDO E O ALVO: MINISTÉRIO PÚBLICO E ACCOUNTABILITY<br />

órgão, que permite que promotores e procuradores acessem o Poder Judiciário buscando a condenação<br />

dos acusados. A discricionariedade dos promotores, em um primeiro momento, era relativamente<br />

menor em relação ao uso desse instrumento porque dependiam, de um lado, do inquérito conduzido<br />

pela Polícia e, de outro, da decisão de um juiz. Dois órgãos independentes limitando e funcionando,<br />

em alguma medida, como um contrapeso aos promotores.<br />

Esta dependência da Polícia, entretanto, foi minimizada em 2015. Uma decisão do Supremo<br />

Tribunal Federal quebrou o monopólio dos órgãos policiais e permitiu que promotores e procuradores<br />

conduzissem inquéritos criminais por conta própria. O limite dado por um órgão diverso, a Polícia, o que<br />

diminuía a discricionariedade dos integrantes do Ministério Público, foi contornado por uma decisão<br />

judicial que contrariava o desejo dos constituintes de 1987-88 (KERCHE, 2014).<br />

Além da autonomização em relação à Polícia, graças a autorização dada pelo Governo Dilma<br />

Rousseff e pelo Congresso Nacional em 20013, membros do Ministério Público passaram a poder<br />

negociar penas com os acusados de crimes por meio da chamada “delação premiada”. Com isso, a<br />

dependência em relação ao juiz também se fragilizou. Promotores e procuradores poderiam negociar<br />

as condenações em troca de colaboração, a despeito, pelo menos em um primeiro momento, da<br />

autorização judicial (KERCHE, MARONA, 2018).<br />

O segundo instrumento que fortalece a independência de promotores e procuradores é em relação<br />

às matérias cíveis. Os integrantes do Ministério Público podem lançar mão da ação civil pública<br />

e, assegurando maior discricionariedade desde 1988, também conduzir o inquérito civil. Neste caso,<br />

sempre dependeram menos da Polícia do que na ação penal. Nem mesmo o Poder Judiciário, que<br />

ainda é o responsável por proferir as sentenças em relação às ações propostas, servia de anteparo<br />

realmente efetivo aos membros do Ministério Público. Foi, e ainda é, comumente utilizada a estratégia<br />

de buscar uma “condenação reputacional” dos acusados antes de qualquer julgamento. Esta consiste<br />

em divulgar as acusações e preceder ao julgamento antes mesmo da decisão final de um juiz.<br />

O terceiro instrumento é o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), documento que precede uma<br />

eventual ação na justiça e que visa acordar a mudança de uma prática considerada inadequada pelo<br />

promotor. O Ministério Público Federal, na Bahia, em 2003, acertou, com diversas entidades espíritas,<br />

que publicações de Allan Kardec, expoente do espiritismo, contivessem notas de esclarecimento sobre<br />

trechos considerados discriminatórios ou preconceituosos. A mesma instituição também assinou com<br />

a Federação Brasileira de Bancos, em 2008, um TAC sobre a questão da acessibilidade em agências<br />

bancárias. Ou seja, em questões cíveis, os promotores e procuradores possuem instrumentos<br />

importantes e efetivos de atuação e com grande discricionariedade, inclusive, em alguns casos, que<br />

independem da participação da Polícia ou do Poder Judiciário.<br />

Em suma: essa combinação de autonomia e discricionariedade prevista a partir da Constituição<br />

de 1988, que tornou o Ministério Público um ator político relevante, ao longo dos anos 2000 foi<br />

DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 86

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