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Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.

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CAPÍTULO 6 O DARDO E O ALVO: MINISTÉRIO PÚBLICO E ACCOUNTABILITY<br />

instrumentos jurídicos, os procuradores da República, especialmente do núcleo de Curitiba, conduziram<br />

operações e propuseram ações praticamente sem qualquer constrangimento por parte do governo<br />

e do Congresso. A atuação desses pouco accountable integrantes do Ministério Público Federal, em<br />

conjunto com membros do Poder Judiciário, impactou negativamente a política e a democracia brasileira<br />

(KERCHE, MARONA, 2022).<br />

A autonomia, entretanto, não se restringiu à relação entre políticos e Ministério Público. Ela<br />

também pôde ser observada internamente. O núcleo de Curitiba tinha uma atuação bastante independente<br />

de Brasília, onde se encontrava o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Os procuradores<br />

liderados por Deltan Dallagnol escolhiam suas estratégias, prioridades e alvos a despeito das orientações<br />

de Brasília. Há notícias de que uma verdadeira disputa pelo protagonismo se dava entre Janot e<br />

os procuradores baseados na capital paranaense 8 . Até uma tentativa de gerar um “caixa próprio” foi<br />

organizada, embora barrada pela Justiça. O hoje ex-deputado Dallagnol e seus colegas buscaram criar<br />

uma fundação que seria gerada por eles e aliados com recursos advindos dos processos judiciais da<br />

Lava Jato. Caso isso fosse adiante, o núcleo de Curitiba ganharia ainda mais independência da Procuradoria-Geral<br />

da República e do Congresso, que dá a autorização orçamentária para o Ministério Público.<br />

A discricionariedade, por sua vez, fez-se presente ajudada pela parcialidade do juiz Sérgio Moro<br />

e a cumplicidade do Supremo Tribunal Federal em um primeiro momento. Com bastante liberdade,<br />

os procuradores negociavam, por exemplo, delações e penas com os réus, além de assegurar certa<br />

liberdade sobre quais instrumentos jurídicos deveriam ser usados. A parceria com Moro também facilitava<br />

que se escolhessem quais réus ficariam em Curitiba, mesmo que para isso se lançasse mão de<br />

critérios bastante elásticos para justificar, por exemplo, que o caso que envolvia um apartamento no<br />

litoral paulista fosse julgado na capital do Paraná (RODRIGUES, 2020).<br />

A Operação Lava Jato foi, portanto, a maior expressão desse processo de autonomização com a<br />

quase total falta de accountability interna e externa e de ampliação da discricionariedade do Ministério<br />

Público. Adicione a isso os tradicionais instrumentos de ação acrescidos pelas inovações institucionais<br />

durante os governos petistas. O resultado foi jovens e poderosos procuradores sem limites, com uma<br />

visão distorcida da política e dos políticos, que contribuíram para a erosão da democracia brasileira.<br />

Procuradores, assim como quaisquer burocratas, precisam de certa autonomia para exercerem<br />

suas atribuições. Isso, contudo, não deveria significar a ausência quase completa da prestação de<br />

contas e da possibilidade de responsabilização por seus atos. A necessidade de limites é mandatória<br />

na democracia. Promotores e procuradores, que participam da accountability em relação aos políticos,<br />

não deveriam ser dispensados da accountability em relação a sua própria atuação. Como dardo ou<br />

como alvo, ninguém deveria estar acima da lei, da democracia e dos cidadãos.<br />

8 .<br />

DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 90

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