Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
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CAPÍTULO 4 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: O DIREITO DIANTE DAS MUDANÇAS POLÍTICAS<br />
tribunais, que examinam as causas levadas à apreciação por parte de grupos de vítimas, familiares,<br />
ou mesmo associações profissionalizadas e especializadas na litigância em direitos humanos.<br />
No bojo dos processos transicionais do Cone Sul, a despeito de suas singularidades, que oscilaram<br />
desde mudanças mais conciliadas até rupturas mais bruscas, houve uma cláusula de negociação<br />
central que selou a impunidade e a impossibilidade de julgamento dos agentes que operaram o aparato<br />
repressivo em um contexto de violação massiva e sistemática aos direitos fundamentais. Assim, nos<br />
primeiros momentos dessas transições políticas, já assumiram destaque leis de perdão, normalmente<br />
concretizadas por atos concessivos de anistia e/ou indulto que, de algum modo, abrangiam setores<br />
civis opositores ao regime e também agentes repressivos.<br />
Também foi comum na região o fato de que demandas pleiteando a anulação do perdão garantido<br />
aos agentes do regime superado foram judicializadas, ou seja, esses atos de caráter essencialmente<br />
político foram, posteriormente, submetidos ao controle por parte do Poder Judiciário. Vale destacar<br />
que essas ações têm sido apreciadas pelas respectivas Cortes Constitucionais, no atual contexto de<br />
amplo ativismo judicial no âmbito da agenda dos direitos humanos no continente americano e no<br />
mundo todo. Aliás, todos os países do Cone Sul inauguraram o séc. XXI em um cenário de completa<br />
impunidade dos agentes públicos que cometeram crimes de violação aos direitos humanos, sendo<br />
que Argentina, Uruguai e Chile se empenharam para reverter essa situação.<br />
No Brasil, ainda é bastante incipiente a reflexão sobre a justiça de transição. Faz pouco mais<br />
de uma década e meia que o tema começou a ser discutido de forma mais sistematizada e para além<br />
dos movimentos de familiares de desaparecidos políticos e vítimas da ditadura, que eram os únicos<br />
setores que levantavam a bandeira da memória, da verdade e da justiça em relação aos crimes do<br />
passado. Também os meios acadêmicos só mais recentemente têm incorporado essa temática de<br />
maneira mais constante. No entanto, nas Faculdades de Direito, ainda prevalecem um dogmatismo<br />
normativista e um apego aos temas jurídicos tradicionais, o que coloca em segundo plano algumas<br />
questões complexas que envolvem os direitos humanos, como a justiça de transição.<br />
Por sua vez, nas Faculdades de Ciências Sociais, os cientistas políticos, por terem uma marcada<br />
preocupação analítica com os problemas do tempo presente, estão voltando a se interessar por esse<br />
assunto, depois de terem se dedicado profundamente ao tema das transições durante as décadas de<br />
1980 e 1990. Por se tratar tanto de um programa normativo que orienta políticas públicas (nacionais e<br />
internacionais) como um conceito transdisciplinar, surgido nas fronteiras entre o direito internacional e<br />
a ciência política, a justiça de transição demanda uma reflexão em diversos planos e searas. É preciso<br />
considerar saberes construídos tanto a partir de teorias e de normas internacionais como a partir da<br />
prática local dos movimentos sociais que reivindicam justiça e reparação em relação a violações de<br />
direitos humanos.<br />
DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 56