Livro Democracia e Politicas Publicas Anticorrupcao FINAL
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
A obra reúne 10 capítulos escritos por especialistas no tema e é resultado de um curso homônimo desenvolvido por estas organizações em 2023, com o propósito de capacitar jornalistas, ativistas, servidores públicos e membros de organizações da sociedade civil do Brasil.
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CAPÍTULO 6 O DARDO E O ALVO: MINISTÉRIO PÚBLICO E ACCOUNTABILITY<br />
outros. Avaliar e medir os instrumentos formais é tarefa acadêmica mais simples do que fazer o mesmo<br />
com os informais.<br />
O Ministério Público no Brasil criado em 1988 não possui uma estrutura tradicionalmente<br />
hierárquica e piramidal como de outras burocracias. Cada integrante é razoavelmente protegido dos<br />
incentivos formais de obediência aos superiores e mantém altas doses de discricionariedade para<br />
fazer suas escolhas sem passar pelo crivo da hierarquia. Uma das exceções mais notáveis é que os<br />
respectivos procuradores-gerais controlam a indicação de alguns cargos na estrutura do Ministério<br />
Público, em especial em seu gabinete, o que pode estimular um alinhamento entre sua equipe e um<br />
acréscimo salarial em alguns casos.<br />
Os tradicionais instrumentos da promoção e da demissão, por exemplo, somente são utilizados<br />
com restrições. As promoções se dão por antiguidade e por merecimento. Ou seja, mesmo que um<br />
promotor não se alinhe ao procurador-geral, sua carreira pode até ficar mais lenta, mas não parada. No<br />
Ministério Público Federal esses critérios têm que ser utilizados de maneira alternada. Ou seja, não é<br />
possível duas promoções por merecimento em sequência. Há notícias de que no Ministério Público de<br />
São Paulo as promoções já se deram exclusivamente por antiguidade (COSLOVSKY, 2015), embora, pelo<br />
menos desde 2021, os números das duas modalidades de progressão na carreira sejam equivalentes,<br />
segundo informações obtidas pela Lei de Acesso à Informação. Outro detalhe é que as promoções por<br />
merecimento, que em alguns casos têm requisitos combinados também com um determinado tempo<br />
no cargo, são decididas por órgãos colegiados, nem sempre afinados com o procurador-geral.<br />
As demissões são excepcionais e não são ligadas a atuação jurisdicional propriamente dita. Os<br />
órgãos de fiscalização são internos e os corregedores são colegas de organização. No máximo temos<br />
uma espécie de accountability administrativa, “que asseguram uma melhor gestão e o cumprimento<br />
diligente de tarefas, mas não implicam necessariamente prestação de contas à sociedade” (KERCHE,<br />
OLIVEIRA, COUTO, 2020, p.1335). Mesmo o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), criado<br />
em 2004, não exerce seu papel de forma a constranger efetivamente os promotores e procuradores.<br />
A expectativa de que esse novo órgão criado em um esforço de reforma das instituições judiciais<br />
pudesse exercer uma accountability efetiva é frustrada quando se observa sua composição e atuação.<br />
A maioria dos conselheiros do CNMP são integrantes do próprio Ministério Público. Dos 14<br />
membros, oito são oriundos dos diferentes ramos do órgão e seis são externos. Isso é um indicativo<br />
de que o CNMP não é um instrumento primordialmente de accountability externa. Entre os<br />
seis que não são integrantes de nenhum dos ramos do Ministério Público, apenas 2 são escolhidos<br />
por instituições baseadas no voto dos eleitores, a Câmara dos Deputados e o Senado. Mesmo as<br />
indicações do Congresso Nacional concentraram-se em bacharéis de Direito com passagem nos<br />
Poderes Legislativo e Executivo. A seleção parece indicar que não existe uma ampla representação<br />
da sociedade (idem).<br />
DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS ANTICORRUPÇÃO 88