Diversidade na educação : reflexões e experiências - Cereja
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luta constante pela conservação e criação de valores e práticas culturais próprios, que<br />
embora tenham se difundindo no meio social mais amplo, têm seus nexos profundamente<br />
vinculados à ancestralidade de grupos e famílias negras, às matrizes culturais africa<strong>na</strong>s<br />
que sua existência continua de alguma forma expressando, por nelas se enraizarem focos<br />
de produção simbólica preg<strong>na</strong>ntes à visão de mundo, ao ethos específico do grupo familiar,<br />
do grupo de vizinhança, da comunidade rural ou urba<strong>na</strong>, enfim dos grupos sociais negros.<br />
Os valores civilizatórios da inventiva negra, criando e recriando técnicas<br />
empíricas, modos de fazer, modos de associatividade, de construção de identidade, de<br />
cognição, de sensibilidade, enfim, modo de ser no mundo com os outros são repertoriados<br />
<strong>na</strong> vivência desses grupos.<br />
Políticas educacio<strong>na</strong>is, fundadas nesses valores civilizacio<strong>na</strong>is, deverão ser<br />
definidas por negros, pois eles têm uma sensibilidade especial para captar os imaginários<br />
que regem sua resistência, como sujeito de sua própria história social, encoberta ao olhar<br />
estritamente focado <strong>na</strong> dialetização estrita domi<strong>na</strong>ção/subordi<strong>na</strong>ção. A<strong>na</strong>lisar a resistência<br />
cultural das populações negras como conformismo e conservadorismo é pensar poder-se<br />
reduzir a cultura à ideologia. Não foram os opressores que desenvolveram um arse<strong>na</strong>l de<br />
técnicas e mecanismos de abertura de espaço de produção e reprodução de práticas em<br />
temos de localidade, de especialidade, de ritmos e de tempos, como em termos sociais e<br />
culturais. Se no contexto das relações raciais a herança da escravidão, a subordi<strong>na</strong>ção<br />
imposta (e às vezes aquiescente) silenciam, imobilizam, invisibilizam o negro, no contexto<br />
das relações de alteridade o negro se move, resiste, fala, grita, tor<strong>na</strong>-se visível através de<br />
suas produções e ações configurativas de espaços de autonomia, de proposição, de<br />
reformulação, de decisões.<br />
O problema educacio<strong>na</strong>l se coloca então em termos de racismo e anti-racismo,<br />
melhor dizendo, em termos de metamorfismo da democracia racial. As mudanças de<br />
forma e de estrutura da democracia racial apontam hoje para a emergência de uma nova<br />
onda de velamento do racismo pela obstrução do tratamento da questão racial em termos<br />
de ruptura dos nexos que a mantém primordialmente referenciada à cultura, à etnicidade,<br />
avançando no sentido de referência à raça como construção simbólica determi<strong>na</strong>nte no<br />
acesso às oportunidades sociais (Costa, 2002). É nesse sentido que as políticas de ação<br />
afirmativa apontam. E é <strong>na</strong> contramão dessa diretriz que apontam os argumentos<br />
contrários, fundados <strong>na</strong> democracia racial metamorfoseada.<br />
Venho trabalhando, nos últimos vinte anos, com grupos de afrodescendentes e o<br />
que com eles tenho aprendido me autoriza e me exige insistir que o Estado e suas esferas<br />
de poder reconheçam que eles são os atores sociais mais bem credenciados à formulação<br />
de políticas educacio<strong>na</strong>is pró-ativas.<br />
Entendo oportuno, todavia, anotar algumas considerações com base em dados e<br />
indicadores que, embora já bem conhecidos, continuam convidando-nos a explorar suas<br />
percussões socioculturais.<br />
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