14.04.2013 Views

Diversidade na educação : reflexões e experiências - Cereja

Diversidade na educação : reflexões e experiências - Cereja

Diversidade na educação : reflexões e experiências - Cereja

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

foi-nos concedida uma frágil força messiânica para qual o passado dirige<br />

um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitado impunemente. (BENJAMIN,<br />

1987, pp. 222-232)<br />

O passado do povo negro brasileiro tem-nos feito apelos incessantes, cabe a nós<br />

configurarmos os quadros que podem dar-lhe visibilidade significativa para além do que<br />

as <strong>na</strong>rrativas domi<strong>na</strong>ntes estabeleceram como sua “verdade”. Os nossos mortos não<br />

descansarão em paz enquanto não nos apropriarmos da memória de suas vidas conectandoas<br />

às nossas lutas presentes.<br />

Embora o passado africano, tanto pré como colonial e pós-colonial, componha<br />

um amplo repertório de temas e processos que devemos enfrentar a partir de novas<br />

configurações interpretativas afi<strong>na</strong>das com as nossas reais demandas, e isso é uma<br />

necessidade i<strong>na</strong>diável, eu, particularmente, considero de igual urgência uma revisitação<br />

crítica e politicamente orientada sobre as <strong>experiências</strong> negras em terras brasileiras e,<br />

dentre estas, a principal delas, a experiência traumática da escravidão. Justifico: dos cinco<br />

séculos de história, a partir do nosso ingresso involuntário no mundo moderno, quase<br />

quatro séculos nós vivemos sob o jugo do regime escravista.<br />

Um regime de relações humano-sociais, infelizmente, tão longevo – para o bem<br />

ou para o mal, dependendo de onde nos localizamos socialmente, num país onde a<br />

desigualdade é uma perversa insistência histórica –, deixa marcas profundas e indeléveis<br />

<strong>na</strong> forma como nos concebemos como seres humanos, organizamos a nossa existência,<br />

elaboramos nossas memórias, construímos nossas identidades e nos relacio<strong>na</strong>mos uns<br />

com os outros e com o real. Negligenciar a sua importância como substrato cultural <strong>na</strong><br />

definição de papéis, relações sociais e raciais contemporâneas é abdicar da chance de<br />

formularmos nossas demandas políticas e culturais anti-racistas com maior precisão e<br />

possibilidade de êxito. Acreditar em uma ponte que nos ligue ao passado, ou mesmo ao<br />

presente africano, sem a intermediação do que a própria escravidão nos legou como<br />

herança em termos de resistência e recriações culturais relativamente origi<strong>na</strong>is, em nome<br />

de uma tentativa, ainda que compreensível, de apagar as marcas negativas que ela, a<br />

escravidão, cravou em nossas consciências individuais e <strong>na</strong> dinâmica das relações sociais,<br />

de um modo geral, é, para dizer o mínimo, desprezar o vigor criativo e culturalmente<br />

fecundo de um imenso contingente populacio<strong>na</strong>l que jamais se conformou com os limites<br />

das imposições normativas e legais.<br />

Como exemplo, para nos concentrarmos no campo da historiografia, cabe<br />

mencio<strong>na</strong>r a existência de um número considerável de estudos que, rompendo com as<br />

concepções tradicio<strong>na</strong>is que levavam ao pé da letra a definição jurídica do escravo como<br />

coisa, i<strong>na</strong>uguram a concepção, já hoje consensual, do papel que os escravos – e populações<br />

negras de um modo geral –, desempenharam tanto no processo que culminou <strong>na</strong> abolição,<br />

quanto no forjar, cultural e politicamente, formas possíveis de resistência e sobrevivência<br />

31

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!