Diversidade na educação : reflexões e experiências - Cereja
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estabelecimento de limites grupais, uma questão ideológica já superada por imperativos<br />
da ação política.<br />
Não se pode concordar que a discussão sobre a mestiçagem seja uma “falsa<br />
questão”, como defende parcela da militância negra – mesmo porque, de 1980 a 1991, a<br />
taxa de crescimento da população negra, entre jovens de 15-24 anos de 2,3% (0,2% para<br />
os brancos) está “relacio<strong>na</strong>da não só à fecundidade mais alta associada a este grupo como<br />
também aos efeitos da miscige<strong>na</strong>ção” (IBGE, 2001). É claro que se deve admitir como<br />
procedimento metodológico correto a proposta de compreensão do movimento do real.<br />
Mas, de que real se fala? Sem que se negue a importância de domi<strong>na</strong>r as manifestações<br />
cotidia<strong>na</strong>s, suas singularidades e especificidades, é preciso redimensioná-las no quadro<br />
universal da organização social domi<strong>na</strong>nte. Disso decorre a necessidade de compreender<br />
o movimento do capitalismo.<br />
Nessa perspectiva, vale lembrar que quatro grandes “crises” do capitalismo<br />
engendrando processos de homogeneização, <strong>na</strong>s décadas de 1930, 1950, 1970 e 1990,<br />
numa surpreendente regularidade de uma vinte<strong>na</strong> de anos, em média, tor<strong>na</strong>ram visíveis<br />
processos de reivindicação da diferença cultural (Valente, 1999b). Dito de outra maneira,<br />
as diferenças culturais aparecem como “problema” quando movimentos de integração<br />
homogeneizadora procuram suprimi-las ou mantê-las sob controle, de forma a não colocar<br />
em risco o seu projeto. Ou, ainda, como afirmei, a preocupação em torno das diferenças,<br />
transformando-as em um “problema”, quando são marcas distintivas e necessárias da<br />
condição huma<strong>na</strong> – não podendo ser consideradas epifenômenos –, parece cumprir a<br />
função de deslocar para outra instância de embate as contradições econômicas próprias<br />
do capitalismo. Nesse caso, coerente com essa perspectiva, a discussão sobre a verdadeira<br />
raiz do problema é abando<strong>na</strong>da, contentando-se em mascará-la e em buscar medidas<br />
paliativas e reformadoras no campo cultural.<br />
Atualmente, a questão da mestiçagem volta a ser rediscutida por alguns estudiosos.<br />
Na Europa, a tendência de conferir novos significados ao processo, frente aos desafios da<br />
diversidade cultural, vem ganhando força e adeptos. Como sugere Mello (2000), pode-se<br />
aventar a possibilidade de, nessa produção, manifestar-se a redescoberta da obra de<br />
Gilberto Freyre, cuja contribuição para a tese da democracia racial é inequívoca e que<br />
vem merecendo releituras no Brasil, por tabela, <strong>na</strong> esteira da moda européia.<br />
Kabengele Mu<strong>na</strong>nga (1999) propõe-se a rediscutir a ideologia racial elaborada a<br />
partir do fi<strong>na</strong>l de século XIX até meados do século XX. De sua análise conclui-se que a<br />
mestiçagem, biológica e culturalmente, tal como foi articulada pelo pensamento brasileiro<br />
nesse período, “desembocaria numa sociedade unirracial e unicultural”, subentendendo<br />
“o genocídio e o etnocídio de todas as diferenças para criar uma nova raça e uma nova<br />
civilização” (p. 90). O autor, em sua análise, demonstra que se o biológico e o políticoideológico<br />
não se confundem, não podem ser dissociados. Daí que, como processo<br />
negociado, não se pode menosprezar a possibilidade de os mestiços proclamarem uma<br />
identidade própria que, no entanto, não seja única. Mesmo porque são imprevisíveis os<br />
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