12.07.2015 Views

universidade federal do rio grande do sul instituto de filosofia e ...

universidade federal do rio grande do sul instituto de filosofia e ...

universidade federal do rio grande do sul instituto de filosofia e ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

104os presentes ofereci<strong>do</strong>s pela patroa à sua empregada e os pequenos furtos 67que ocasionalmente esta comete na casa <strong>de</strong> sua emprega<strong>do</strong>ra. É estesistema <strong>de</strong> trânsito <strong>de</strong> bens que proponho analisar como "transmissão <strong>de</strong>patrimônio".Compreen<strong>de</strong>r a troca <strong>de</strong> bens que acompanha a prestação <strong>de</strong> trabalho<strong>do</strong>méstico como transmissão <strong>de</strong> patrimônio tem a vantagem <strong>de</strong> pensá-la comoalgo que extrapola o senti<strong>do</strong> estrito da relação monetária, para incluí-la numsistema <strong>de</strong> comunicação, on<strong>de</strong>, além da coisa, significa<strong>do</strong>s sociais sãotransmiti<strong>do</strong>s. A proposta <strong>de</strong> tratar esse “trânsito” <strong>de</strong> bens como "transmissão<strong>de</strong> patrimônio" (NEVES, 1988) resi<strong>de</strong> na idéia <strong>de</strong> que não são apenas bensmateriais que estão sen<strong>do</strong> troca<strong>do</strong>s nessa relação. Os objetos, no senti<strong>do</strong> queClaudia Magni (1994) toma <strong>de</strong> Ulpiano Menezes, “não existem <strong>de</strong> formaautônoma. Enquanto ‘suporte material, físico, imediatamente concreto daprodução e reprodução da vida social’, eles <strong>de</strong>vem ser consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s como'produtos e vetores das relações sociais'" (MAGNI, 1994, p.11).Marcel Mauss (1974) estudan<strong>do</strong> o direito e a religião maori, fala algomuito semelhante ao <strong>de</strong>screver o hau, o espírito, a alma <strong>de</strong> todas as coisas. Ohau mantém o vínculo das coisas com o seu territó<strong>rio</strong> nativo. Portanto, eleacompanha a coisa dada, até que ela possa regressar ao seu local <strong>de</strong> origem(MAUSS, 1974, p. 54-55). Para Mauss, a noção <strong>de</strong> hau revela que dar umacoisa é dar um pouco da alma resi<strong>de</strong>nte nela e tem como conseqüência oestabelecimento <strong>de</strong> uma dívida que só é saldada com outro <strong>do</strong>m. Certamente,é uma noção semelhante à lógica <strong>do</strong> <strong>do</strong>m que inspira as patroas quan<strong>do</strong>calculam o tipo <strong>de</strong> retribuição à qual têm direito em troca <strong>do</strong>s pequenospresentes ofereci<strong>do</strong>s à empregada. Vi<strong>de</strong> o caso seguinte:67A língua portuguesa formal distingue "roubo" <strong>de</strong> furto, estabelecen<strong>do</strong> que o primeiro trata-se<strong>de</strong> uma subtração <strong>de</strong> qualquer bem alheio mediante o uso <strong>de</strong> violência. Corriqueiramente, nafala <strong>de</strong> pessoas comuns essa diferença não é reparada. Meus informantes referiram-sesempre a "roubos” para falar da situação <strong>de</strong> furtos continua<strong>do</strong>s na casa <strong>do</strong>s patrões, semrelacioná-los com isso o uso <strong>de</strong> violência.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!