12.07.2015 Views

universidade federal do rio grande do sul instituto de filosofia e ...

universidade federal do rio grande do sul instituto de filosofia e ...

universidade federal do rio grande do sul instituto de filosofia e ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

106almoço <strong>de</strong> <strong>do</strong>mingo... Cabe tecer algumas reflexões sobre o que representa anoção <strong>de</strong> "coisas <strong>de</strong> segunda mão".No universo <strong>do</strong>s patrões, não se pensa em colocar nada no lixo. Passaseadiante aquilo que para si não tem mais utilida<strong>de</strong>. Como os objetos nãoestão <strong>de</strong>scola<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s contextos sociais on<strong>de</strong> eles existem, acompanha adádiva a significação que ela assume socialmente. Com as coisas dadas,transita a lógica das relações sociais entre <strong>do</strong>a<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>natá<strong>rio</strong>s. Uma dasmensagens veiculadas pela oferta <strong>de</strong> presentes é a da hierarquia social.Segun<strong>do</strong> esta i<strong>de</strong>ologia, usam coisas <strong>de</strong> segunda mão pessoassocialmente indicadas: pessoas <strong>de</strong> “segunda classe”. As trocas na esferafamiliar também existem, mas não se oferece coisas usadas para alguémsupe<strong>rio</strong>r. Note-se que essa prática é muito diferente daquela da apreciação <strong>de</strong>relíquias e antiquá<strong>rio</strong>s. Os brechós são espaços <strong>de</strong> consumo sofistica<strong>do</strong> entrea classe média. São lojas on<strong>de</strong> se compra, e geralmente por preço maior,artigos que representam um tempo passa<strong>do</strong>, não "coisas usadas". Da mesmaforma po<strong>de</strong>ríamos pensar nas relíquias <strong>de</strong> família, on<strong>de</strong> se reconhece um hau(o espírito da coisa) no objeto transmiti<strong>do</strong> através das gerações. Não seimagina alguma empregada “herdan<strong>do</strong>” o relógio <strong>de</strong> pare<strong>de</strong> da vovó 69 .A lógica <strong>do</strong> <strong>do</strong>m <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> à empregada aponta para aprimazia/excelência <strong>do</strong> <strong>do</strong>a<strong>do</strong>r e <strong>de</strong> sua supe<strong>rio</strong>rida<strong>de</strong> em relação a quemrecebe (MAUSS, 1974). Nos objetos ofereci<strong>do</strong>s pelos patrões, vem acopla<strong>do</strong> oreca<strong>do</strong>: primeiro eu uso, primeiro eu sento, primeiro eu como. Você usa o meu<strong>de</strong>scarte, não senta no meu lugar, come <strong>de</strong>pois o que sobrar. O lugar dascoisas reflete o lugar social. Assim como a empregada ocupa na casa <strong>do</strong>spatrões espaços residuais, as coisas que ela ganha também são sobras.Po<strong>de</strong>mos tirar como conseqüência <strong>de</strong>sta lógica um primeiro princípio quepressupõe a dádiva <strong>de</strong>stas coisas: na relação entre <strong>do</strong>a<strong>do</strong>r e <strong>do</strong>natá<strong>rio</strong>, quemdá uma coisa <strong>de</strong> segunda mão ocupa um lugar supe<strong>rio</strong>r na hierarquia.69 É claro que existem exceções, adiante relatarei um caso em que a patroa, próxima damorte, preferiu confiar alguns objetos <strong>de</strong> estimação à empregada.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!