universidade federal do rio grande do sul instituto de filosofia e ...
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1895.3 Uma patroa fora <strong>de</strong> lugarComo vimos acima, a patroa tem seu “<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> lugar” na casa dasempregadas – na estética ou nas eventuais alianças pragmáticas e afetivas.Trata-se <strong>de</strong> um lugar, sem dúvida, não sem ambivalências, on<strong>de</strong> as fronteirasentre a ajuda e a intromissão <strong>de</strong>vem ser constantemente negociadas. Masessa ambigüida<strong>de</strong> faz parte estrutural da relação. Por outro la<strong>do</strong>, a minhaestadia na vila foi algo completamente fora <strong>de</strong> propósito. Essa presençaestranha aos mol<strong>de</strong>s usuais <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong> bairro <strong>de</strong>via ser barganhada acada instante.Durante o tempo em que morei no Jardim Veneza, jamais meu lugarsocial foi perdi<strong>do</strong> <strong>de</strong> vista. Tornei-me íntima <strong>de</strong> muitas pessoas, ouviconfidências e nos divertimos também; no entanto, mais que estrangeira, euraramente <strong>de</strong>ixei <strong>de</strong> ser patroa. Fui recebida com carinho e prestígio. Foi-meofereci<strong>do</strong> o melhor <strong>do</strong>s aposentos <strong>do</strong> grupo, era con<strong>sul</strong>tada sobre o quegostaria <strong>de</strong> comer e recebia visitas. Mas além <strong>de</strong> agradar meu paladar eproporcionar meu conforto, sabiam que eu estava pagan<strong>do</strong> as guarnições.Sem nunca pedir nada diretamente, as mulheres (principalmente) insinuavamsuas necessida<strong>de</strong>s. Na verda<strong>de</strong>, não pediam muitas coisas para si, mas não<strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> usufruir da fartura que uma “abonada” podia proporcionar entreeles. Compran<strong>do</strong> <strong>de</strong>s<strong>de</strong> remédios para piolhos, clorofila e sacos <strong>de</strong> feijão, atéchuveiros elétricos, fui ven<strong>do</strong> meu dinheiro acabar até o último níquel. Noinício, culpada pela miséria <strong>do</strong>s meus amigos, eu mesma me oferecia parapagar as <strong>de</strong>spesas. Mas, no final, me sentia como Maybury-Lewis (1990)pagan<strong>do</strong> inúmeras vezes pelo mesmo ritual.A ambigüida<strong>de</strong> da convivência fraterna com uma “patroa fora <strong>do</strong> lugar”colocava-se nos mínimos <strong>de</strong>talhes <strong>do</strong> cotidiano – ora me aproximan<strong>do</strong>, ora meseparan<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong>les. Seu Norberto e Edinha chegavam mais ce<strong>do</strong> paraos almoços na casa <strong>de</strong> Edilene, dizen<strong>do</strong> que era por causa <strong>do</strong> “bom papo”,mas <strong>de</strong>sconfio que também tinha algo a ver com a comida que, graças ao