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conhecia), como se fosse um louco falando sozinho, pois ninguém sabia de seu rádio-<br />

espacial-mental instalado atrás de seu último molar, mantendo contato direto com sua<br />

família no barraco verde e rosa. "Aproxima-se a hora, pessoal, vitrina à vista! Câmbio!"<br />

transmitiu ele ali da calçada de Copacabana.<br />

Anjenor sabia que teria de passar ainda em frente à eterna loja das TVs, muitas<br />

televisões brilhando como uma parede ladrilhada de luz, mudando todas as imagens ao<br />

mesmo tempo, num xadrez colorido. Sabia que cada vez que passava em frente à loja,<br />

quando ele punha o pé no limite exato da aresta esquerda da vitrina, neste momento<br />

preciso todas as televisões apagariam suas cores e uma nova imagem se acenderia em<br />

todas as telas. E ele nem olharia, pois já conhecia a imagem desde a primeira vez em<br />

que a viu (há mais de dois anos), quando passava ali e vira a notícia que o homem do<br />

noticiário dava, mostrando o topo do morro onde ele morava e os barracos pegando<br />

fogo e todo mundo correndo e os bombeiros tirando as maças brancas de um barraco<br />

que ainda pegava fogo e ele vendo os rostos das crianças e da mulher na maça e ele não<br />

sabia por que neste momento ele voou vitrina adentro, afundou-se na tela de TV e<br />

surgiu no alto do morro, gritando, gritando e vendo os bombeiros descer com as maças e<br />

os seus morro abaixo.<br />

E desde esse momento, ele sabia (conforme instruções do alto, recebidas por<br />

seu rádio-espacial-mental) que teria de percorrer todo santo dia o mesmo caminho em<br />

frente à vitrina para que tudo pudesse ser mantido sob controle e todos os seus<br />

passassem bem.<br />

Então, Anjenor pôs o pé na fimbria da onda negra desenhada na calçada junto à<br />

vitrina. Com seu retângulo pendurado nas costas, onde se lia Compra-se ouro (o patrão,<br />

lógico, não ele), mais parecia uma tartaruga que um homem-sanduíche, e olhou em<br />

volta a rua de Copacabana que, como de hábito, estava animada como um carnaval de<br />

arlequins. A rua toda dançava como uma gelatina e ficaria assim até ele cumprir o ritual<br />

diário obrigatório: o ônibus chacoalhava e batia a queixada do pára-choque, ameaçando-<br />

o com os olhos rodando dentro dos faróis; na marquise da academia de ginástica, o<br />

anúncio do homem musculoso mostrava o braço violento para ele; o neon da lanchonete<br />

já acendia o raio vermelho que ia fulminá-lo, sem contar os olhares dos passantes, que<br />

riam, riam, riam dele.<br />

Mas tudo isso ia terminar em breve (ele sabia).<br />

Então, chegou a hora decisiva. Ele deslizou o pé com minúcia, seguindo a linha<br />

da onda negra desenhada no chão de pedra portuguesa. Equilibrou-se por sobre o

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